domingo

domenica


dub-copy, mmvi


eles atacam enquanto você está dormindo.
assalto em câmera lenta.

ela pediu menos referência nos textos.

não me interessa contar histórias.

a vida da mente é feita de estilhaços.


terrorismo slow-motion.

o dia começa com chuva implacável.
me protejo com música.
leio que benjamin zephaniah vem à feira literária de parati,
diz: escritor e rapper inglês.
acabo de baixar o disco dele de 1995: naked.
ativo o winamp pra fazer o check it out.
escrevendo e infiltrando a música no texto.
slow motion terrorism.

menos referência,
mas como deus descansou no sétimo dia,
me dou uma folga das preocupações.
porém, ofereço os créditos, pelo menos um ato de boa vontade
(e paz na terra aos homens de).

e contar o quê?
narrar prescinde a estrutura clássica da história.

eles atacam durante o sonho, e elas também,
palavras soltas, desconexas entre si, terroristas fulminantes
que dominam o corpo lento na cama.
estrelas douradas sobre a colcha dub vermelha&amarela.

não consigo fumar, então tomo café a seco.

no momento sigo esperando a confirmação do movimento.
até lá toda ação é expectativa.

a música ataca na sombra.
dubnology.
recomendo o disquinho do cara.

o gato preto tem a sabedoria ancestral
de quem ataca enquanto os outros dormem.
está deitado e não tem pressa.
felinology.

do outro lado da rua o pombo descansa no peitoral da janela.
o dia caminha para a tarde e deseja a noite.
eu vou ouvindo o benja zepha.
if necessary i will contradict you,
you've got to be responsible, dizavisa.

eles atacam enquanto você dorme,
ela ataca o tempo todo e te segura da queda,
em câmera lenta.
musiknology.

aceite as conseqüências, abrace o ritmo da hipnose,
abra os olhos e siga com a imagem e o deleite do sonho,
o som da chuva batendo na telha,
um gato negro saltando o dia dentro da noite.

quinta-feira

a carta

desci até a portaria preocupado com o fato de não receber correspondência nenhuma há nove dias, preocupado não com a correspondência em si mas com a carta semanal que ela me mandava e com a qual eu contava para manter o ânimo e ter o que comer, a porta do elevador abriu com violência e o porteiro me encarou como se já soubesse de tudo, o que talvez fosse verdade, e ele disse apenas uma palavra seca, uma única palavra desprovida de acompanhamento mas cheia de significado, o filho da puta disse “nada!”, assim dessa maneira, com ponto de exclamação, com gravidade, com secura ele disse “nada!”, assim como quem espeta, assim como quem enfia lentamente, saboreando, uma agulha de costura no corpo moribundo, e então, no meio desse silêncio fora da minha mente, o uniformizado perguntou “algo errado?” e foi aí que o classifiquei de real filho da puta sarcástico, pois pra mim ficou claro, ficou evidente que ele se regozijava, que ele se refestelava na ironia, porque, é preciso dizer, é claro que ele sabia, é claro que ele debatia mentalmente a minha vida de capim, era óbvio que ele tinha um apreço especial em fazer isso, em pensar que eu não passava de um ruminante, em imaginar porque eu e não ele era o morador, porque ele e não eu, um imbecil com firma registrada, era o serviçal, porque eu, que passava o dia inteiro enfurnado naquele sala e quarto morfético e tinha aquela aparência de zumbi, porque eu, que fora abandonado, pelo menos era o que ele supunha, porque é que eu é que tinha poder sobre ele e não o contrário, mesmo que fosse um poder esdrúxulo como instruir vigias e quejandos, ele se deliciava com a possibilidade de me dar o troco, de tripudiar e quem sabe até de esconder a carta, a carta que ela me mandava religiosamente toda semana, o fim de semana se aproximava e eu ali parado olhando aquele cretino me inquirir de novo “algum problema, senhor?”, o senhor bem marcado, dito com o lado da boca de maneira insolente, tudo arrumado de forma a alcançar a humilhação perfeita e então a idéia de que a carta havia sido escondida de mim, e quem sabe até vilipendiada, me dominou de tal forma que a respiração ficou difícil, ficou pesada como se ela ainda estivesse ali fazendo as malas e me dizendo que as coisas iam acabar se endireitando, as coisas iam acabar dando certo, mesmo que pra isso nós tivéssemos que andar por caminhos diferentes, e de fato nós andávamos e a encruzilhada não chegava e eu me sentia desanimado, com vontade de ficar por ali mesmo, pelo meio do caminho, e aquele filho da puta achando que era tudo muito simples, que a vida era abrir e fechar portas e, de vez em quando, manobrar um carro, pois bem filho da puta, disse eu desnorteado e ciente de que ele estava a par de tudo, pois bem idiota, pois bem porteiro, pois bem ser comum às dependências do prédio, sabedor das mazelas íntimas ou não de proprietários e inquilinos, os olhos arregalados, ele disse, ele afirmou “o senhor não está bem!” com firmeza na voz anasalada de retirante, ele quis me dizer se acalma, como se esperasse algo louco de minha parte e então eu não o decepcionei e berrei “não, animal, não estou bem, mas vou ficar!” e parti pra cima dele como quem ataca um prato de comida depois de dias sem comer, e esta era quase a minha condição, mas eu não contava com a resistência dele, o que me deu ainda mais raiva e nós rolamos pela mesa, derrubando a cadeira da qual ele havia se levantado e acabando no chão, e nessa queda eu tive mais sorte e caí por cima esgoelando o afanador de correspondência alheia e gritando “cadê minha carta, filho da puta cabeça-chata?!”, “cadê a carta, pau-de-arara?!”, “cadê a carta, corno paraíba de uma figa?!” e aí eu acho que exagerei, acho que pau-de-arara e corno paraíba foi um pouco demais e ele também deve ter achado o mesmo porque quando eu vi eu já tinha voado pro outro lado da portaria e estava batendo com a cabeça na parede, ele então veio pra cima de mim, já totalmente fora de si, eu me levantei e nós começamos a trocar socos e assim ficamos até que eu me desviei de uma investida dele e lhe dei um chute no saco com o qual ele quase arriou, mas pau-de-arara é um bicho resistente e aí eu disse isso pra ele “pau-de-arara é durão, né? tu vai ver a dureza agora!” e mandei-lhe uma marretada na cabeça, só que eu não podia ter escolhido lugar pior do que aquela cabeça dura da porra e ele se aproveitou do meu instante de dor e me agarrou pela cintura, me derrubando e levando os dois pro chão de novo, ele por cima, e ele caiu socando a minha cara mas não pegou bem e então consegui tirá-lo de cima e resolvi acabar com aquela situação estapafúrdia jogando o babaca no vidro da entrada da portaria, mas na hora h o síndico, que estava chegando, viu a confusão, abriu a porta e foi tentar apartar e justamente nesse exato momento eu tinha conseguido armar uma alavanca pra arremessar aquele jumento porta fora e foi exatamente isso que fiz, só que não contava com a participação do síndico, que me segurava pela camisa no instante do arremesso, e então o que aconteceu foi que nós três voamos pela porta, rolando ridiculamente pela escada e caindo ainda mais ridiculamente no canteiro do prédio, estatelados e conscientes do que poderia ter sido com todo aquele vidro ali e, justamente por isso, o síndico convocou uma assembléia extraordinária urgente, na qual foi decidido que um ser perturbado como eu não poderia habitar um edifício residencial e respeitável, um pardieiro familiar como aquele; obviamente que tudo isso aconteceu à minha revelia, não fui convidado pra tal reunião e mesmo que fosse não apareceria, é uma questão de interesse e o meu único interesse é saber da carta, a carta que aquele infeliz disse não saber nada.


[1990 e tal]



domingo

das antigas [à la cummings] i.

alargar
abrir
ter
um oceano
correndo
nas veias
pra qualq
uer
parte
flutuar
distrair.



ou:


alargar
abrir
ter um oceano
(parti) correndo (cular)
nas veias pra
qualquer parte
flutuar
distrair.



[1992]

sexta-feira

I & I

pro miró

dub style



acho a estação depois da depressão de esperar a rádio errada.
o stream meio devagar por conta do soulseek
desligo tudo, ponho os fones e me mando pra viena.
começando a session do markus kienzl com makossa &megablast.
pára tudo.
não há testemunhas, pt merda, eu&os phones dentro do dub club.
fico tão excitado que quero avisar aos amigos, mas quem sabe
do que estou falando?
mails pra miró e gustaff.
se tiverem por lá, que testemunhem e sejam felizes.
i&i, dub quebrado de outro planeta, listen to the rasta, diz o cara.
fico lembrando do show do thievery corp. em san francisco.
boto os pés no parapeito e olho a noite.
o som é perfeito, a trasmissão é perfeita.
falta a cerveja, as pessoas, e não falta nada.
eu mereço.


[31.10.2005, dub club em copa, phone style]


e depois, ontem, com miró,
rockers to rockers,
I & I,
toefl style,
sem boombahgah,
the I-man in kingston,
smoking safeganistão,
a bridge to the north,
irie, rasta!


lkj,
nesta marley,
gregory isaacs,
jacob milla,
tosh,
wailers,
dunbar&shakespeare,
red stripe,
ganja,
dreadlocks against babylon.

quinta-feira

bons sonhos

i. nada a dizer a você, eterna sombra
em algum momento, cai sobre nossas cabeças

ii. era pra ser outro, mas é esse

iii. ou+vindo e indo com makossa&megablast
(farda p. como convidado no mic): FIND IT
a nova compila do dub.club, picked from the floor
vol++++ume+++mák+++ssimo++++++++

iv. raiva, ódio e descontentamento:
essa é a leveza do inferno
e se a morte fosse a angústia permanente
de um sonho que não acaba?

v. sim, eu me deito com o homem-bomba no trem fantasma
— transiberiano sem alma cortando o deserto
noites de dinamite e frustração eterna

vi. i'll be the sea for the blind

vii. apenas,
e se?
um outro sim maior
corte a pele devagar
e deixe o homem de areia fazer o serviço

viii. é.
não é?
sendo, se fosse
um poema muito longo
(que exclui a sua presença, eterna sombra,
o que talvez seja uma impossibilidade)

ix. e saio daqui,
estou saindo,
ainda que permaneça




x. antes:

Despertar. Sonhei a noite inteira com vidros. Copos sendo colocados no ventilador, garrafas quebradas na mesa, vidro moído circulando pelo ar. Procurei o significado e encontrei: discussão, resolução, aventura. Nada como a ciência exata. Não me lembro de ter alguma vez sonhado obsessivamente com um mesmo elemento. No sonho, alguém jogava copos em ventiladores rodando, depois colocava copos em pás de ventiladores prestes a funcionar. A seguir, em outra cena, outra pessoa queria a minha atenção e quebrava garrafas na mesa de um misto de bar-casa, mas passei a mão na sua cabeça e não lhe dei o que queria.
Estamos em outubro, e este é o meu mês infernal. Vidros quebrando, hoje é primeiro de outubro. A cama está vazia. Ela se foi. Não entendo muito bem o que pretendo com estas anotações enfermas e desconexas. Mas deveria pretender alguma coisa?
O dia está lindo, mas está lá fora. Imóvel como um gato se fingindo de morto, sigo esperando o que ainda não espero.



zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

segunda-feira

zimótic



i.
o mundo é dos ricos e dos esforçados. o sujeito que é um e outro está com um caminho inteiro andado. como não sou um nem outro, merda!, cuspo para o alto pra ver se te acerto.
meu sonho é que no futuro ele seja obrigado a me estudar.
marco aurélio me olha de cima do seu cavalo empinado fazendo o gesto imperativo (gesto próprio de imperador) de quem diz: eu medito!
therefore...
i rule!
na verdade, tudo isso é razoavelmente muito fácil: outogar-se o cunho meditabundo de reflexivo senhor do tempo e do espaço, senhor dos homens.
qual a verdadeira conquista, eu pergunto?, pergunto!
bons tempos de tiãozinho bolagato pastando tranqüilo o seu nada no asfalto, bem diferente do rato de dyonelio, preocupado e bloqueado com a própria mediocridade.
entenda, a mediocridade deve ser a libertação de toda angústia, a alforria da obrigação de ser um deus, deus, deus à toda, como um roberto carlos íntegro acelerando e embreando e freando desembestado as curvas de santos, a 300km/h, atrás do diamante cor-de-rosa, rico e esforçado, quem um dia foi pobre e tijucano, nas quebradas da conde de bonfim com erasmo, tim e jorge, deveríamos todos torcer pelo américa?, síntese do rio, ou o brasil é um grande e colorido país alvinegro, nas quebradas de santos e botafogo na década de 60, 3 a 0 pra cá, 6 a 2 pra lá, e assim vai, foi, enquanto tudo acontecia e aqui apenas a noite anoitecia ensolarada de sangue de quem estava com a camisa errada, vermelha, américa de pompéia contra a américa de walters, ínfimo davi que golias nem enxergou?
o que tiver, há de ser, delírio de 100 graus, depressão de cem por cento de umidade
oh! doce senhor sentado no cume olhando de cima todo o escárnio de deus investido por conta própria de grande inteligência e poder de análise e de síntese por favor nos ilumine com o seu vocabulário mavioso de quatro palavras: a vida flui como rio (ôpa!, o “a” conta? são cinco!).
há esperança definitivamente.
eu de minha parte só espero o deus que não sou, espero algum tipo de conforto, o conforto destinado a quem não é rico ou esforçado, qualidades desqualificadas que, me parece, não devem interessar ao príncipe caído tampouco, o inferno precisa de gente empreendedora, sonhos de grandeza vil.
só espero a liberdade de não ser deus.
fora do império religioso.
não escrever um romance em função disso, já sabemos que então tudo é permitido, sua mãe inclusive.
apenas um fio desencapado, sem grandeza, desdivinizado,
esquizóide.

ii.
me lembro que por três vezes tive grande determinação:
uma prova de física em que precisei tirar 10,
uma paixão,
e outra prova para ter um título.
logrei sucesso nos três eventos, o que não significa dizer sucesso no decorrer,
contudo, atingi o primeiro objetivo.
também quis emagrecer, duas vezes, e duas vezes sucedi como um rei dos meus desejos e humores
assim como abandonei a chupeta de sopetão quando me pareceu fundamental para minha dignidade, e a maconha para minha sanidade.
fiquei dentuço e meio paranóico, mas alcancei as metas. poderia não ter feito nada e ficado como um coelho fóbico e psicótico.
quem dirá o contrário, anyway?

já cheguei à segunda página.
posso dormir.

porém deixo a mensagem clássica: é tudo uma merda!!
não esqueça.


[2001]

sexta-feira

ahora

un:
buscando algum texto pra selecionar,
mas já sabendo que vou ser arremessado
pelo som, as usual, e escoljho justamente
a trilha do primeiro post, latrás, fields
e elizium, a música das ladeiras de bsb
quando o peito parecia que ia, e foi de
certa forma (e eu fui junto, ou arrastado),
paradise regained, what dreams may come,
sábado no horizonte, lagoa na esquina,
um passeio com a menina mais linda,
vai brincar com os amigos, enquanto o tio
vê o pôr do sol no espelho com a origem
de bernhard, t., aberto na mesa, uma talvis
entre os dedos, fones e uma ou duas bebidas
geladas.
e ele pergunta: tell me, what is reality?




dos:
schopenhauer acreditava que a linguagem feita
só de palavras não poderia jamais atingir a
profundidade e a universalidade alcançadas
pela linguagem musical.
tinha razão, mas por outro caminho:
a linguagem é um elemento como os naturais,
água-fogo-terra-ar.
e a única linguagem que não exige (e exige
mais que todas ao mesmo tempo) nem
cobra (e cobra muito mais ainda que as outras)
uma ação do sujeito é a música (não sendo

ele surdo, claro, mas aí não há esforço
que dê jeito, acho eu), basta que ela exista.

e termina com
and there will your heart be also

sim ou não?

quinta-feira

musik1


warning:


the style is not free

the style is expensive




[leftfield, dusted]



terça-feira

nod




A realidade é sempre espinhosa demais

para o nosso imenso caráter,

não é Rimb?
__________________________________________
um mundo que não nos perseguisse mais (perseguisse a mim?)
fugir de todo o preâmbulo, de tudo que não é carne, essência, eu
se cheguei até aqui, desse jeito, foi por melancolia, através da melancolia
a saudade de deus, desejo impossível no escombro cínico
quem terá alma pura? anagrama de lama, maal, deus irmão de baal?
escrevo para expelir, como a masturbação angustiada, tirar de mim a apatia, sua frustração
espero tanto de deus, já tive momentos melhores, de maior autonomia
e se ele esperar ainda mais de mim? esse seria o deus irado que expulsa seus filhos
como é possível chegar ao ponto de não ter certeza de nada, ou quase, de estar infestado de todas as perguntas e respostas e posições antípodas e afirmações e contradições?
de duvidar da dúvida e do seu oposto e do momento posterior quando algo está
do i dare to eat acho que era uma pêra, então ouso comer a pêra?
tudo é desconstrução agora, conceitos, textos, imagens, mas isso vem depois
eu nasci desconstruído
estamos desconstruídos e os arquitetos do espírito foram rebaixados à condição humana, mortal, estão mortos para as almas juvenis, pequenas e vulgares que jantam disputando talheres de plástico com os mais velhos, que disputam as primícias de um nada reluzente
como viver a outra metade da minha vida envolvido nessa membrana de tristeza e dispersão?
nem se matar nem viver no campo, não há força
a cidade de caim, construída com sangue humano, amaldiçoada pelo deus do caminho
todo o desejo, o sonho, o espírito humano está corrompido no nosso esconderijo do divino
imóvel, estático, plúmbico
evidente que o homem é alado, asas para se encontrar com deus, o sonho, o delírio, a inspiração
mudaríamos tudo se construíssemos coisas mais belas?
penso em deus o tempo todo, penso na minha orfandade, desejo de referência, estou quebrado
aberto a todas as influências e fechado a todas elas
turbulento, transtornado
caim na terra de nod

[2002]

segunda-feira

cinemalimbo


céu b&w (samplereffects matafina, photo miró)

depois que ela se foi eu me recolhi e me encolhi dentro
do meu casco do meu cobertor do meu abrigo seja ele
qual for que nome tiver assim como me chamo me
chamam de um nome ou mais são vários os referenciais
os habitantes dessa forma que em nada se assemelha com
um prisma mas que reflete intensidades distintas para
dentro ou para fora ou ainda para o vácuo esta ausência
este limbo cinema onde me concentro para enxergar formas
aduncas se multiplicando se transformando se enfronhando me
transformando numa espécie de casa de espelhos iluminada
por luz mortiça uma música de sons giratórios um tipo de
giroscópio um farol dentro da casca

podendo falar sobre os olhos escuros e sombrios dois
poços de águas turvas e nada plácidas prefiro lembrar
as unhas compridas e os sulcos nas minhas costas perdido
numa piscina de sombras meu sinal não encontra receptor
acabo sem saber se sou ou se minha sombra é e se não sei
nem qual é a minha imagem dançante sem corpo sem
carne mas isso que me envolve os ossos talvez nem
matéria seja algum tipo de fantasmagoria e se não estou
aqui onde deveria aqui no que projeta aquela que deve ser
minha sombra então sou qualquer uma nenhuma ou todas
cada movimento é um meu movimento

trumpete ensandecido na noite seu beijo é a base é o baixo
pulsando a origem de mim as sombras o sopro segue costurando
meu cinemalimbo povoado de idéias tirando a noite do breu para
um outro tipo de escuro outro tipo de sombra se é a noite um reflexo
e não o princípio eu o cinevácuo fecho os olhos tragando para dentro
as imagens para dentro da noite encerrada nas pálpebras flutuando
sobre o adormecimento do ritmo flutuando dentro do teu beijo o baixo
a base do meu ritmo pulsando sombras dissolvidas por falta de contraste
estamos na noite nos movimentando em toda e qualquer imagem que se
dissipe

[1995]

o fluxo [parte III]

__________________________________________
um dia perfeito para portishead.
roads na versão ao vivo: frozen to myself.
pule para all mine e aumente.

____________________________________



III.fluxo


xxxix. Os laços se romperam, ou foram rompidos. Estou só, como sempre, mas agora desacompanhado. Aos poucos, tenho a sensação, o quarto muda de cor e as paredes vão se abrindo.

xl. Eu tentei e não consegui, ou talvez não tenha querido, ou podido conseguir, o que talvez seja a mesma coisa, mais ou menos.

xli. Câmara mortuária me afaga, me retém fora da angústia e de um mundo em fuga, um mundo de maldições e laços que esgarçam – ansiedade e imobilismo. Um longo olhar para dentro, como um gole de água colorida num corpo transparente, imagens de um futuro antigo, vidas não vividas, ou tidas em mundos paralelos. Isso me deixa melancólico. Estamos sós, não é óbvio?


[1997]


domingo

dormência

começa devagar,
como uma tarde de ressaca anestesiando o corpo
há um momento em que um outro tipo de cansaço assume a lentidão dessa ansiedade
é preciso mergulhar num som que nos abrace como um urso amoroso e nos atravesse pelo chão movediço
poderíamos ser outros, claro, mas não somos, escuro
existe um espelho em cima da cama refletindo as carapaças dos corpos nus
o muro volátil e maleável se alimenta das voltas do corpo para encher seu indestrutível pulmão de pedra
indefecto, inquebrável, serpente de pedra insossa vestindo uma crina desargamassada e imóvel em sua fome
soltar a rédea e levantar vôo, olhar a cidade e o mar de cima, azul
estamos preenhes de sangue e o organismo de carne está funcionando agora, fazendo circular o mundo vermelho
se é, se fomos ou somos, um pequeno corte não faz mal, coagula, se
estamos todos lá, sendo, e estamos lá sozinhos, por mais acompanhados (mas o inverso é mais bonito)
malenconia, malinconia, a tristeza é doce?
o tempo passa e a cicatriz fecha, ou esconde o rastro
diminui o peso da leveza e da sanidade, a clareza?
o fabricante da teia é também o seu prisioneiro

respire fundo, deixe o ar entorpecer o pulmão e esvaziar a pedra: está tudo bem.


sexta-feira

trem ii



e o som do trilho acompanhava os pensamentos sonolentos, colocando o que não era música fora de compasso
)permita apresentar-me, sonambúlica figura, eu que vivi entre as cobras e outros organismos anfibióticos e reptilianos e agora estou provendo de sonhos boa parte dos transeuntes temporários deste palácio de sombras, e você querendo perguntar quem serei quando precisar, eu estive com o divino ser, você deve imaginar, providencinado quedas e tombos e castigos testamentais, você só queria escrever um belo romance e eu me infiltro anestesiando sua vontade com nuvens diversas, ah! pequeno escravo da fumaça, conspícuo diletante da névoa, aqui estamos para sempre(
os ruídos, os ruídos, são ratos pequenos, ratinhos remoendo meu espírito, apenas ratinhos fazendo seu trabalho de roedores, roendores, percebe? o trocadilho envolvido?, sim, sim, muito instrutivo, eu diria se olhasse o mar com olhos argutos, mas o que minha pálpebra cobre é uma esfera envolta em ar espesso, um óculos embaçado e imaterial, o som ofídico me perseguindo, esta ou essa é a história da perseguição esquizóide, socorro!!, porque no fim descubro sempre ser eu a serpente, adão, eva, caim, abel e sua mãe também,
foi no dia em que ela me disse que eu era eu, quer dizer, o eu dela, o eu que ela sempre quis para completar o outro eu que ela tinha dentro dela mesma, quer dizer, essa é a verdadeira essência, não é?, crer que o outro é também, mais, principalmente, fundamentalmente, um eu e não um outro, e sendo assim, a perfeição amorosa absoluta
perdi o fio e os ratinhos também de maneira perfeita não deixam traço algum da corrosão, são apenas ruídos, querido, não se deixe levar pela sombra, eu ouço os seus ruídos que também são os meus e neles há sobretudo amor e beleza
é preciso, antes de mais nada, estabelecer um critério, ele me disse com relativa tranqüilidade, algo invejável para alguém como eu, eu sendo eu mesmo e não ela naquele momento, mas como não sê-la, não é?, de acordo com o princípio somos todos eus desdobrados ou curvilíneos sou ela, elas, sempre fui você, inclusive, mas como estabelecer critério de ou para qualquer coisa?, digo, antes de mais nada é preciso muita calma, sentir o peso do transtorno ir desocupando lentamente seus músculos, suas pernas, seus ombros, sua nuca, seu coração, e por fim, seu espírito, outra baforada de um cachimbo malcheiroso, nada entende de fumaça, observo, fumos doces são a derrocada da sensibilidade aguda, é como preferir praias de água morna a orlas de água fria, alma sedentária, e deus preferia os nômades, está escrito, eu digo, quer falar de mim, como falar do que não se sabe
no sábado era aniversário de uma coleguinha da escola, fomos os três, ela mais linda que nunca, o que fazer com a perfeição?, eu preciso ser louco



[set.2001]

quinta-feira

hey jack, ssh-capin'

?
começa com uma pergunta:
qualé?
hey jack nos fones,
howie b remixado pelo unkle, metamorphosis.
alguém diz: citações são como salteadores no caminho.
mas há o risco do mundo cifrado, travado pelas senhas.
e por que não?
como é a vida da mente?
o dilema entre a disciplina e o caos,
a barbárie, o tiroteio, os empurrões, os raios e os cemitérios.
ninguém segura (o khalil).
a voz grita: faça sentido!!!
qual sentido, qual vida, qual mente?
e pra quê?
vamos de gdmfsob, e é senha mesmo, vai lá e descobre,
unkle, shadow e roots manuva, goddammotherfuckingsonofabitch!
palavras como o mar que reflete os mergulhos, entra na água,
nade ou se afogue, onde você nada sua filha se afoga, diz jung pra joyce.
escrever como nadar, se vem onda, armar o corpo e pegar jacaré.



júpiter


fugindo do trabalho, do calor, dos credores, das expectativas.
be there, diz o cara (ian brown).
e nada.
nada além.
estar vivo apenas.
e em breve, nem.
a camada polar, o efeito estufa, o ebola, a gripe aviária,
a bomba sem neutros, o irã, a índia, a china, o iraque, deus,
maomé, cristo, os evangélicos, bush de canhão, o pfl, israel,
a palestina, oriente médio, sarney, a ordem e o sentido e o progresso,
derretendo a cobertura de creme da groenlândia, o esconderijo onde
a santíssima trindade opera os computadores que controlam o mundo.

invasion.

que hace, puto perro de mierda?, exclama o cristo chicano.
sentido, ordena o invasor.

i am the reign!, diz o piloto da máquina.

buenas e me espalho, nos pequenos dou de prancha,
nos grandes dou de talho, diz o capitão rodrigo entrando no bar.