domingo

dormência

começa devagar,
como uma tarde de ressaca anestesiando o corpo
há um momento em que um outro tipo de cansaço assume a lentidão dessa ansiedade
é preciso mergulhar num som que nos abrace como um urso amoroso e nos atravesse pelo chão movediço
poderíamos ser outros, claro, mas não somos, escuro
existe um espelho em cima da cama refletindo as carapaças dos corpos nus
o muro volátil e maleável se alimenta das voltas do corpo para encher seu indestrutível pulmão de pedra
indefecto, inquebrável, serpente de pedra insossa vestindo uma crina desargamassada e imóvel em sua fome
soltar a rédea e levantar vôo, olhar a cidade e o mar de cima, azul
estamos preenhes de sangue e o organismo de carne está funcionando agora, fazendo circular o mundo vermelho
se é, se fomos ou somos, um pequeno corte não faz mal, coagula, se
estamos todos lá, sendo, e estamos lá sozinhos, por mais acompanhados (mas o inverso é mais bonito)
malenconia, malinconia, a tristeza é doce?
o tempo passa e a cicatriz fecha, ou esconde o rastro
diminui o peso da leveza e da sanidade, a clareza?
o fabricante da teia é também o seu prisioneiro

respire fundo, deixe o ar entorpecer o pulmão e esvaziar a pedra: está tudo bem.


2 Comments:

Blogger Vânia Vidal said...

Belíssimo. [o carcereiro também pertence ao cárcere]
Parabéns.

06 março, 2006 10:12  
Blogger kaspar said...

gracias, v.v.
bem-vinda à casa.
e parabéns pela trans-borda.

06 março, 2006 11:00  

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