terça-feira

terça gorda




terça gorda como a pança do escritor,
carnaval, momo, blocos, gente caindo do céu,
engarrafamento eterno de impaciência,
cinema sem filme, tiro pro alto na rua,
desfile na tv, imbecis entrevistando idiotas,
gritanto todos o tempo todo: diversão!

garrafas derrubadas pra dentro e por fora,
um olho vermelho de fumaça, o outro, azul do mar,
o gato negro mia o desastre da solidão,
neil young nunca é demais, na cozinha K&D,
out of the blue, shakatakadub,
there's more to the picture than meets the eye,
improvise!, dia nublado e indeciso,
outkast e blackalicious pra rebater a ressaca
de tanta alegria desenfreada, tanto desespero
disfarçado.

evoé, last call!

quinta-feira

heroes size



i don't know no hero

they can tell the story

________________________________________





i don’t know no heroes
they can tell the story
i don’t know no heroes
they can get the glory


and when ya dancin with yourself and ya know that it’s so riiight,
and then, they kiss you and they tell you that they know you’re satisfied,
and then, say

i don’t know no heroes
they can tell the story
i don’t know no heroes
they can get the glory

oh save me oh save me oh save me, a hero
oh oh save me oh oh crazy oh oh save me, a hero


[heroes.roni size&reprazent]




quarta-feira

into the blue (out of the black)



o músculo esgarçado


fabricando o tempo
e novos compressores pulmonares
resolvendo, desviando

um olho muito grande observando
a passagem e o movimento dos anos
o reflexo indefinidamente definido

amortecendo, assimilando
tudo corre devagar
pelo músculo esgarçado



[199?]

sábado

trem



encontro contigo, caminho noturno,
desço do trem, plataforma nublada,
velho filme de estrada, um chapéu voando,
nos enganamos de novo e nos beijamos

sentado no café da estação vou ouvindo as gravações antigas dos nossos ruídos, sei exatamente onde estão os seus, por cima, por dentro, embaixo de mim, ao meu redor, e os meus pequenos urros abafados por um novo gemido imperativo chamando por você

a sombra da chaminé se move e me leva junto, estou na janela observando o movimento da cidade que fica para trás, no vidro vejo o reflexo do meu rosto e me assusto, estou distante demais deste compartimento, por fora o vento se exibe no campo ondulado, perder-se é fácil demais nas planícies, é hora do lanche diz alguém ao meu lado

dizia alguém então a meu lado que o amor é inapreensível, sua função é criar desconhecimentos, inapreensões, eu diria olhando o mar tão azul, mas a poesia é para os que têm alma de poeta, para quem sabe conviver com o imaterial, com o fugidio, com o mundo em fuga, dispersão, cummings

aos poucos ele começou a engatinhar, babando sorridente a camiseta e o chão, o teto lá em cima, bela varanda para o nada da cidade que nos consola, sentei tantas vezes na soleira dessa vida de filme, alguma coisa fumável entre os dedos, alguma coisa que pudesse medir o tempo da felicidade, ela chegando do trabalho

imagino uma vida seca, descarnada, sem música, uma vida de ruído, sem dobras, sem curvas, uma existência unidimensional, um contraponto, contudo quero distância do que me oprime, tenho medo da opacidade e da certeza alheia

o vendedor afirma que só temos a ganhar, e dessa forma ele também pode ganhar o seu próprio, um remédio e um copo d’água, novos pneus para meu carro, obturações físicas e espirituais, lá vamos nós de mãos dadas pelo parque comendo pipoca, dia quente, pessoas se bronzeando emplastradas com óleos esbranquiçados, lá vamos nós mais uma vez

no jantar sento-me à mesa com duas senhoras, que o mundo já fora, voltaram à cidade em 19.., irmãs, começaram como tradutoras, campo fértil a ser explorado, e em pouco tempo eram ambas as secretárias favoritas do presidente da firma, dormiu primeiro com a mais nova, a primogênita também tinha o patrão em alta conta, entende?, logo dividiam apartamento financiado pelo garboso senhor e também a cama, está impressionado?

criar desconhecimentos, passo para o balcão, o barman puxa conversa desinteressante, arrasto o copo de volta para uma mesa qualquer perto da janela e acalmo a noite com meus olhos, de quando em quando uma ou outra luz ao longe e o som incessante do movimento contínuo, o trem como a vida, o tempo arremessando

ela chega, ou já seria outra, e me olha de cima, por baixo, avalia, o tempo é nosso, ainda que para nada, arremessados adiante sem nunca chegar lá, trânsito eterno, então segura o meu braço e vê a tatuagem, a disciplina não é o meu forte, eu digo, entendo, ela alisa a mandala dizendo baixo, o vagão não está quase vazio

ele cresce a olhos vistos, onde estarei quando?, segura minha mão, hora da escola, vamos andando, a professora me olha de forma estranha, ele é um garoto fora-de-série, você sabe que isso pode não ser bom?, eu pergunto, ela não entende, unidimensional, as coisas podem ser vistas etc, digo, estão abertas, vários lados, cimabaixodentrofora etc, única dimensão unidimensional, o que será do meu filho?, quem será o meu filho?

o balcão agora está vazio, escuto sua voz, o meu quarto tem cama de casal, o meu também, poderia ter dito a troco de não muita coisa, contudo sentei no balcão e ouvi o mundo unânime do barman, aqui estou, não paro um minuto, como as pessoas são solitárias, uma vez uma mulher, minha mulher, uma namorada em cada estaç, estou dormente

talvez já esteja dormindo, não está, cá então estou, suas mãos são macias, eu também, modéstia à parte, nos beijamos com desejo alcóolico, cigarro entre os dedos, sentado olhando a noite recebendo seu amante mais ardente e regular, um amante condenado a amar o sono da amada, noite eterna em claro

será você meu amor primordial? a cabine está bastante agradável neste momento, o sol da tarde cuida da saúde do campo seco mas florido, todas as paisagens são iguais se estamos de fora, tudo é igual se não mergulhamos



[set.2001]

sexta-feira

Sangue Alvinegro (a doença iii)

de novo – Pulo nas costas da velocidade do som e do carro. Passo todos os sinais, abertos pra sempre, e sigo contando os carros passados.
A janela do carro vibra ao som da juventude sônica, uma canção para Karen. O máximo do volume, as janelas fechadas – menos a do motorista. Ouvi a história de uma cantora que morreu ao atravessar a ponte (rio-niterói), uma pista de alta velocidade, com a janela do motorista aberta e todo o resto fechado. O carro capotou. Desde então, só ando desse jeito, mas não há na minha boca nenhum gosto de cambalhota. De qualquer forma, eu acelero. O caminho é um só: avenida das Américas, uma estrada de cactos pra mim, pra minha visão eterna de desertos; corto o México e a Austrália e qualquer outro lugar onde exista um coiote cruzando poeira.
Decido fazer o caminho da praia, então não subo o morro e chego ao outro lado, só contorno o trecho da base que leva ao mar, e chegando lá paro o carro, salto e me estiro na areia.
Na volta o primeiro acorde começa baixo e então explode no vidro titanium exposè e o cara canta waking up i see you, acordando eu te vejo, aonde?, open your eyes to see, mas meus olhos estão arregalados faz tempo e continuo a não enxergar. A música eu enxergo dentro da cabeça, correndo no sangue e pela espinha, movimentando pernas, pondo óleo na engrenagem, fazendo os cactos passarem mais rápido.
Na praia fiquei pensando em ir até o céu e comer algumas estrelas. Dormi.
Em casa, garrafa d’água na mão, ligo a televisão quebrada. Velhos hábitos não morrem nunca. Acontece uma pequena explosão, curto-circuito, e um pouco de fumaça. Velhos hábitos são foda. Desligo a máquina destruída e fico olhando a noite pela janela enquanto aperto, acendo e queimo a erva. Velhos hábitos nunca morrem.
Bebi toda a água da garrafa e passei a noite olhando pela janela.
Venho pensando em fazer uma tatuagem, dar um troféu aos músculos. Só que acabo desistindo, ou melhor, esquecendo. Acho coisas melhores para fazer com o dinheiro. Ou coisas para se fazer sem precisar gastar nenhum, qualquer dinheiro. Como queimar o currículo. Foi como uma fogueira no centro da taba, e eu, o índio no êxtase, pulando dançando e cantando à sua volta. Antes eu não sabia como fazer para aplacar a sede, era como tentar cortar o pescoço de um zumbi com a foice de ouro de Panoramix, um trabalho hercúleo; então troquei-a pela foice da Morte, maior e mais pesada, uma foice de ferro. Gostei tanto que queimei o diploma de imbecil superior em seguida, cumprindo o mesmo ritual, só que ouvindo o hino glorioso, o hino do Alvinegro.
Nesse dia saí correndo pelas ruas, na madrugada, cantando o hino feito um louco, como o Madman Mundt no corredor flamejante do hotel, só que eu estava inerme, minha felicidade não precisava de nada, apenas que eu cantasse: “Tu és o Glorioso/Não podes perder/Perder pra ninguém”. Aquilo ficou se jogando de um lado para o outro na minha cabeça: eu sou o Glorioso, não posso perder, perder pra ninguém, não posso perder. Agora o que eu canto é que não posso perder o que não tenho.
Eu ia correndo com a camisa amarrada à calça, descalço, sentindo o vento bater no peito, e quando consegui parar de pensar em não perder, que não é a mesma coisa que pensar em ganhar, apenas me concentrei em cantar e esbarrei na abstração.
Voltei para casa com as veias cintilando sob a pele fosforescente, eu via toda a energia atravessar meu corpo.
Salve!



[1991]



segunda-feira

a estrela solitária brilhando

na estrada dos louros, um facho de luz
tua estrela solitária te conduz


[lamartine babo, 1942]





o futebol é o poder total
e o glorioso está acima de tudo


campeão da taça guanabara, 2006.
botafogo 3 x 1 américa
[de virada]

sábado

atonal

Entrei no ônibus pensando no que você havia me dito e ao mesmo tempo o efeito que isso tinha era o de estar pensando na morte da bezerra então o fato é que entrei no ônibus aéreo pensando no que você havia me dito sobre eu ser opaco e nós juntos não formarmos uma nova e brilhante cor pelo contrário a minha opacidade suavizava e até sufocava a vitalidade do seu matiz oprimindo a violência da beleza das suas cores e chega! ela estava cansada precisava de ar água fogo e mesmo terra para viver! e não viver assim sem exclamação é as coisas acontecem sem pedir e plác! num estalar de dedos o meu regador a minha água o meu pincel a minha semente tudo tinha envelhecido apodrecido estragado tudo fora do prazo de validade eu estava descartado eu gerava frutos insípidos insossos sem caldo sem suco sem cor inodoro insalubre incolor seco qualquer gesto ato pensamento infrutífero e com o rabo entre as pernas e de crista baixa me encaminhei à porta desci as escadas bati o portão e a rua me recebeu como a um primo distante com seu som ambiente atonal orquestra dodecafônica bafo música estomacal seu hálito vulcânico passei a roleta pensando em como tudo o que se passa dentro ou fora o que se passava no pensamento tudo é acaso pensava as coisas se modificam imperceptivelmente como os vermes se alastrando por dentro e formando o destino uma idéia atravessada na garganta uma idéia atravessada no tempo e comecei a observar a passagem do tempo pelo ambiente sentindo um calor amistoso e distante um vidro térmico sendo a vitrine do que era percebido as janelas abertas e algum vento completariam a cena se as pessoas não estivessem preocupadas com a destruição do penteado e você me disse eu não era preocupado não estava preocupado com a sucessão do tempo e o que disso é desprendido e sendo assim um abraço percebe a independência é algo necessário olha pra mim e entende eu tenho tudo que eu preciso e me descarto do que não é necessário nesse momento comecei a ouvir abafado palavras ocas alguém precisa saltar e o ponto passou no instante atrás eu me lembro saí o bafo da cidade me recepcionou de maneira impessoal entrei no ônibus passei a roleta e sentei pensando no que ela havia me dito e você precisa saltar teu ponto passou nesse instante eu olho pela janela isso não me interesssa de forma alguma a noite vai escurecendo a vista permaneço com a audição abafada o leblon se aproxima a praia no fim do canal levanto puxo toco a sineta ou que nome tenha aquela porra de fio fio a embarcação pára e eu salto pensando no que você disse eu sigo ouvindo uma voz abafada em direção à praia sentindo o cheiro me aproximando da brisa marítima pensando em algo tão pensando que algo tão grande não pode morrer.


[1996]

sexta-feira

a tarde infinita

dada conexion
what is it that eats you up?






as flores cresceram e o jardim está novamente vistoso. à tarde me sento no banco para fumar e olhar o céu. as novas caixas de som ficaram perfeitas. os graves chegam a ventilar as folhas da árvore. chet. coltrane. miles. eles acariciam a copa cheia e sopram vida nas flores. mas o balanço grave e profundo acontece mesmo é com o novo som eletrônico. e pensar que o bernhard cuspiu na terra natal até morrer. com razão, provavelmente. mas acho que não chegou a ouvir, não se interessaria, evidente, esse pessoal classudo, elegante e criativo que pilota os estúdios e as mesas de som em viena. ouviram muita música brasileira, muito suíngue latino. gosto também de colocar as coisas mais pesadas, o baixo dominando o equalizador, db. tosca, dub club, kruder, dorfmeister. ou outros caras, tipo o thievery corp., ou bukem e o pessoal do intense, ou metalheadz e reprazent.
e eu nunca tive nenhum grande interesse pela áustria. pelo contrário. e agora estou envolvido com o bernhard e essa galera do som relax. a verdade é que o rock and roll encheu o saco. como se o nirvana tivesse esgotado a coisa por um tempo. é preciso renovar, regurgitar outras misturas. talvin singh, cheb i sabbah, o otto, bebel gilberto. onde estaria o nação zumbi se chico ciência estivesse vivo?
até na germânia os caras estão desendurecendo os quadris. jazzanova, fauna flash, trüby trio, boozoo bajou.
o mais impressionante no bernhard é o fluxo. não é escrita automática, é um passo além. não é um movimento gerado pela escrita, a escrita é que serve ao jorro discursivo do pensamento. e ele consegue segurar o raciocínio sem prendê-lo, e sem perdê-lo. para um portador de mente esquizóide como eu, bernhard é um milagre. renega e ressente o mundo idiota e unidimensional. o seu discurso é a sua doença e sua cura, um atestado de vida inteligente numa civilização dominada pelo obscuro, pela membrana invisível que esconde o que realmente nos governa. interesses grandes demais, dizem. poder, sussurram. um sistema criado à imagem e semelhança da idéia do deus cristão, onipresente, onisciente, poder invisível que a tudo governa. seus desígnios serão aceitos de forma inquestionável.
então, vejo a vida nas flores, o som grave das caixas balançando as folhas, fumando para sentir melhor o gosto do tempo, o gosto desse poder, o gosto do deus imaterial.
o jardim está realmente uma beleza.
em san francisco eles fizeram uma igreja para john coltrane. ortodoxa africana. ouvem e recitam o pouco que escreveu. a love supreme. eu fui até lá, e era uma igreja. como outra, em frente a uma praça, em um bairro negro. como convém. não vi o culto. ainda bem. a minha idéia de culto é outra, imagino. eu fui lá.
não vi o culto, como convém.
de vez em quando me é permitido ver a sombra dos meus desejos passeando, flutuando, esvoaçando entre as flores. hoje os pequenos pássaros cantaram menos. meditaram sobre a tarde infinita. essa necessidade de cantar me é estranha. esse é o meu jardim. influencio os pássaros. meditem. observem. prossigam. meu sonho era pairar sobre. sonhos de espírito. a tarde para sempre.
a


[março.2002]

quarta-feira

metro flow - info excess




trilha: zen touch 40.
agora: walkner.möstl/heaven or hell/boogie nº 2
e durantedepois: waldeck/northern lights [ep]/mask
café, ex-critório, arcond, northern lights, heaven or hell

touch and flow, zen.



terça-feira

krazy's tuff

tarde de terça, 7 de fevereiro de 2006

não vou me matar, pelo menos não hoje, não agora (nem depois?).
existe a música e é aniversário da minha irmã.

somos os renegados do funk, diz o rage redizendo o bambaata. entra a pj no john peel, e agora bloc party arrebenta as caixas com banquet (phone disco edit).
uma nova lei: um dia na semana pra ouvir música (não é hoje).

tom deitado de barriga pra cima na cama. o calor também fode os gatos.

fiz uma seleta só de 3x4 pra animar o trabalho, pero...
vou de clash, ciccone youth, killing joke, dk, smiths, rem, fall, sisters, bauhaus.
some girls are bigger than others, morrissey.

tempo estranho, época esquisita , o mundo é de quem pegar, mas os idiotas dispararam na frente (ou se tornaram idiotas no caminho?). e deus, não tem nada a dizer, ou vai falar o resto da vida por parábolas e marionetes e testas de ferro?

a vida da mente, madman mundt, o corredor do hotel em chamas, barton preso à cama, os policiais fuzilados na porta do elevador.

dk pisoteia as caixas com too drunk to fuck. baile punk, holiday in camboja.

aceleração dentro e fora, a mente não pára e a bebedeira está longe, mas o desejo não morre.

e volto aos 20 com walk away, sisters e a voz cavernacular de eldritch, dos maiores all times canastras do pop. would you choose to walk or stay?

quebrar o pensamento, pensar contra, como queria o maggi, ser um esquizóide, buscar a vida do platelminto dentro de si, entidade larval que percorre o corpo de burroughs, que sentido que não a sensação, que lógica que não a do que é e não tem porquê? the queen is dead anyway, smithboy.

sim, sim, sim, te mostro a vida da mente, i’ll show the life of the mind, grita o mundt, lunático assassino da miséria solitária alheia, transportador de apólices, doador de seguros contra a vida da morte, morte em vida, isso é real, barton, eu moro aqui, e você, pretensioso escritor do baixo estrato, quer falar de crueza mas filtra a fúria pela empatia, i create, você diz e leva um soco, intelectual iludido pelo próprio intelecto, não, a mente está em chamas e você está preso às suas correntes, não é nada disso.

ciccone youth e children of satan/third fig.

no dia seguinte, a praia, a mulher da pintura e o saco com a cabeça da judy davis, fim.

barbarism begins at home. a crack on the head is what you get for asking or not asking. they must be taken in hand, unruly people.


os olhos amarelos do tom, um pequeno fio negro no meio dos glóbulos, as orelhas em pé ouvindo smiths e a expressão de um pensamento gatuno tão distante quanto o seu entendimento.

say it out loud: i am freaky styley and i am proud!

2 e meia, change the music after the chesseburger: zenzile e o grande disco totem, abre com pandora’s box (sans trocadilho).

corto maltese me olha de cima da plataforma, mão no bolso, cigarrilha na direita, elegante e cool como o brinco de ouro da princesa.

e missy me escreve sobre disarray, um sentido enfim sobre a falta de um.

kaspar.house, life of the mind,
krazy’s tuff, my friend,
be welcome.


bbbbbbbbbbbbbbbbbonde andando (conversas aleatórias) iii

5. bússola

§ o norte é mais embaixo, cumpa
* eu sei, eu vou pro sul
§ o sul é mais úmido, região de lagos
* eu sei, o norte é região de montanhas
§ e o que você pretende pelo sul?
* pescaria, quero nadar e talvez até mesmo pescar
§ mas você não lê condições climáticas? o sul tá seco
* ahn?
§ o sul tá seco, os lagos desertos de água
* falta umidade, hein?
§ é, como eu disse, o sul tá seco
* isso é uma questão de saber como nadar, criar a umidade e pescar o peixe certo
§ que manha é essa, irmão?
* é baseada na técnica de escalar as montanhas do norte para chegar ao pico com fôlego
§ são técnicas parecidas
* eu diria que são manhas complementares.


6. dourado

a vestimenta não lhe caiu bem
é o tecido que já não brilha
já não brilha, não é verdade?
bons tempos em que você era uma criança ensolarada
os meninos olhavam o seu sorriso
mas os uniformes começaram a gastar
e as idéias foram se seccionando e perdendo a força.
não estão todos barrigudos?
tudo acaba tendo salvação, até a morte, pode acreditar
há o vestido de listras horizontais: eleganzia e esbeltitude.
– eu fico com esse de bolinhas verdes.
ah! como eram aqueles anos, os melhores.
mas você nunca percebeu, não foi? o velho e bom papai noel.
a representação perfeita da sua educação; que tempos.
então a descoberta de que os presentes eram comprados pelo pai, seu pai.
a partir daí só amargura.

ela põe o vestido.
eu a ponho em cima da mesa.
arregaço o vestido e arranco a calcinha de bolinhas douradas.
ela grita; e grita de novo quando estou dentro.
rasgo as alças e mordo os peitos antigos e estriados.
gozo; ela geme.

– ainda falta toda a família comer, ela diz.
– estão todos gordos?



[1996]

segunda-feira

rust never sleeps, funny valentine

nas caixas:
neil young com hey hey my my
e ella fitzgerald com my funny valentine

chet baker [1988]: aos 58, pela janela do hotel pulguento em amsterdã jogado por dívida com os traficantes ou disposto a acabar com a loooonga jornada auto-destrutiva.
unphotographable

kurt cobain [94]: tiro na cabeça aos 27 anos. deixou uma suicidal note comprida dizendo, com neil young: it's better to burn out than to fade away.
vero: rust never sleeps, my friend.
trecho: Only because it seems so easy for people to get along and have empathy. Only because I love and feel sorry for people too much I guess. Thank you all from the pit of my burning, nauseous stomach for your letters and concern during the past years. I'm too much of an erratic, moody, baby! I don't have the passion anymore, and so remember, it's better to burn out then to fade away. Peace, Love, Empathy. Kurt Cobain.
Frances and Courtney, I'll be at your altar


rust never sleeps and
time is unphotographable

stay little valentine
with my heart
you make me smile
are you smart?

king is gone but is not forgotten
it's better to burn out
than it is to rust

they give you this but you pay for that

and once you're gone, you can't come back
when you're out of the blue and into the black

it's better to burn out
rust never sleeps
time is unphotographable
and your looks are laughable


[samples: rodgers&hart e n.young]


domingo

bbbbbbbbbbbbbbbbbonde andando (conversas aleatórias) ii

3. fúria retráctil

þ você já ouviu falar em fúria retráctil?
¤ sim, em fato, minha tia sofre desse mal.
þ eu nunca soube que isso fosse um mal.
¤certeza que é, você acaba sufocado.
þ ?
¤ a ira atinge o ponto de ebullição e na hora do sangue ferver e transbordar, o fogo apaga, retráctil.
þ é falso, então, o movimento involuntário dos pulsos?
¤essa já é uma outra questão, algo, talvez uma seta, que aponta o nariz; só que esse movimento não está diretamente conectado à retractibilidade da fúria.
þ ele existe, então?
¤ ou não existe, então!
þ soc! – uma seta apontando o nariz.

– foi então observada a teoria cada vez mais abraçada pelas pessoas, o movimento voluntário dos pulsos e sua retractibilidade variável.



4. (não) realmente

: você não entende, não realmente; gordura é importante muitas vezes, talvez na maior parte do tempo: conversas e comportamentos oleosos, olhares e leituras oleosas, então o que aconteceu é que quando fui ao jornaleiro vi a sombra do meu corpo e tive a nítida sensação de estar muito pequeno para o que sou, aí resolvi engordar, pegar forma, e aqui estou, eu e minha sombra, veja bem que disse "aqui estou" e não "estamos" porque também sou minha sombra, além de ser eu mesmo, não acredito em dualismos do ser.
: a sua performance é sempre duvidosa quando você não está todo nela.
: sim, mas isso é outra questão, isso é a partenogênese do ser; o que você não percebe, não realmente, é a importância da banha.
: mas você não é seu corpo desproporcional e seu espírito, o de dentro e o de fora? ou não?
: você é feliz?
: não sei, acho que na maior parte do tempo não, em boa parte fico anestesiado e em alguns poucos momentos estou feliz, talvez seja só ausência de angústia, mas o que isso tem a ver?
: é apenas para colocar as coisas em pé de igualdade, você me perguntou, eu retruquei e agora respondo: sim, eu admito que a sua teoria é a minha realidade, eu sou o de dentro e o de fora, a mente e o agente.
: é o que eu disse…
: e não, na verdade, por dentro e por fora eu sou o mesmo, e é aí que se encaixa a importância da gordura: estabilizar a ação das enzimas e digerir as angústias do espírito.
: é como você diz: eu realmente não entendo, acho que aquela sua ida ao jornaleiro aconteceu numa hora imprópria.
: é, talvez seja isso, mas de qualquer forma você não entende direito.
: realmente, corrijo.



[1996]


sábado

os suicidas

quer ouvir o quê?
música?
coloque um thiev. corp., a corporação da ladroagem, e ouça com atenção.

todo homem são já pensou em suicídio alguma vez, diz camus.





celan vai à casa de heidegger na floresta e ouve o silêncio do filósofo. como explicar a ausência de explicação? celan é o poeta do silêncio. em 70, anos depois, anda pela margem do sena, carrega o silêncio dentro de si junto às imagens da fumaça humana saindo das chaminés do campo. é 1º de maio, dia do trabalho. olha a água turva do rio, vê o reflexo do amplo nada pelo qual navegamos e se atira, aos 49 anos.

aristóteles se adianta à condenação e segue o primeiro mestre sócrates no caminho do sono à base de cicuta. em 322 a.c., com 62 anos.

lugones tomou cianureto no quarto do hotel em 38, deprimido e decepcionado aos 63 anos com a sua empolgação inicial com a revolução russa e com o fascismo.

alejandra pizarnik saiu da clínica para passear no dia 25 de setembro de 72 e, mãos dadas a um frasco de seconal, não retornou mais. tinha 33 anos.

sylvia plath tinha 31, e estava vivendo na miséria e no anonimato, quando vedou a porta do quarto dos filhos, ligou o gás e enfiou a cabeça no forno em 63. (anos depois, a amante do ex-marido de sylvia, ted hughes, que havia se tornado sua segunda mulher, seguiu o mesmo caminho).

trackl tentou se matar com um tiro, foi internado, e resolveu a situação com uma overdose de cocaína em 1914. a irmã, grete, amor da sua vida, se matou dois meses depois. ele tinha 27 anos.

babel foi perseguido pelos stalinistas e desapareceu em 41. assassinado pela polícia do sistema ou morto pelo veneno suicida com 46 anos.

barthes foi atropelado ou se jogou na frente da van da tinturaria em 80. estava deprimido desde a morte da mãe três anos antes. aos 64 anos.

benjamin tinha 48 quando tomou morfina para não voltar mais da fronteira entre frança e espanha, de onde seguiria para a suíça, imaginando que seria capturado pelos nazistas em 26 de setembro de 40. os espanhóis da imigração bloquearam o caminho atrás de presentes informais. regressou ao hotel e partiu para outra jornada no delírio dormente.

zweig, em 42, por razão semelhante, apesar de estar em petrópolis, no lugar que chamou de país do futuro, tomou veronal com a segunda mulher aos 60 e deixou o cão de estimação passar fome 24 horas até os corpos serem encontrados.

debord deu um tiro de espingarda no coração aos 62 anos. 1994.

hemingway preferiu a boca, o sol de cuba, antes, e o céu de idaho no dia em que finalmente conseguiu se matar. espingarda de cano duplo na boca, os dedos do pé no gatilho, bum. 1961. tinha parado de beber e estava paranóico, não conseguia mais escrever, a primeira tentativa foi com a arma na cabeça, depois mais quatro até a última. o pai e a irmã foram antes dele, o irmão e a sobrinha seguiram depois pela mesma via.

deleuze voou pela janela do apartamento em 95, com 70 primaveras e invernos nas costas.

primo levi preferiu atirar-se da escada ao vão do prédio em turim. tinha 68 anos, depressão, mãe cancerosa e estava em 1987.

drieu la rochelle escreveu trinta anos esta noite, perdeu a mulher judia para a gestapo e colaborou com vichy. foi condenado à morte e antecipou o fim com veneno em 45.

jerzy kosinsky foi um dos grandes escritores poloneses do século xx — o pássaro pintado é a obra-prima, junto com a nota que deixou ao lado da banheira: vou dormir um tempo maior que o normal, pode chamá-la eternidade. estava deprimido, doente terminal ou ambos e seguiu os preceitos de kervokhian, o dr. morte, enfiando a cabeça num saco plástico e morrendo asfixiado nas águas rasas da própria banheira (parece que com a supervisão da mulher).

horacio quiroga e família batem os hemingway. o pai de horacio se matou quando o filho tinha dois anos. com quatro foi a vez do padrasto. escopeta e tiro de arma não identificada. também com um tiro, horacio matou acidentalmente o melhor amigo aos 25 anos. no ano seguinte, sua mulher se matou engolindo água sanitária. em 1937, com 60 anos, um câncer na próstata e abandonado pela segunda mulher, encarou uma dose de cianureto e partiu. a filha seguiu o caminho logo depois, e o filho esperou mais um pouco para entrar no time.

vargas saiu da vida para entrar na história.

hitler, no bunker, com eva braun e goebbels e família. hess, goering, himmler.

pedro nava, tiro.
torquato, gás.
júlio barroso, gás.
mishima, seppuku.


[com apoio do dicionário de suicidas ilustres, de j. toledo]




quinta-feira

zen touch e os suicidas

bebo rápido
fumo rápido
gozo lentamente
acabo de ler os suicidas, de di benedetto
na última página o zen touch 40 toca dirty harry, do gorillaz
ele descobre que marcela se matou
não tenho escrito quase nada
ele está nu
sonhou sempre que estava nu
é assim que se nasce
ela morreu vestida
espero alguma coisa
espero
vale dizer que o zen touch está em modo misturar
entra então a inigualável midnight in a perfect world, dj shadow
peço outra devassa ruiva
bate um vento em direção à praia
o que é a morte, rapaz?
as pessoas passam e um táxi pára em frente à minha mesa
o charuto queima no cinzeiro e a fumaça sai pelo meu nariz e fica dançando no ar e nos meus cabelos, que acabei de cortar
antes, comprei a comida errada pro tom, confiei no veterinário da loja , e não na minha memória — era k/d, e não s/d
a voz dessa mulher é maravilhosa, mas o zen touch corta a música antes do fim
entra o gü-mix, que tocou na fosfobox no outro dia: get up man
pulo a faixa e peço outra ruiva
ninguém reclama da fumaça, não diretamente
a night like this, the cure
se matar ou permanecer?
há diferença afinal?
it goes deep, diz robert smith
não o faça, pede marcela
percebo que a opressão se extinguiu, diz ele, e a menina canta uma canção inocente no pátio
ele precisa se vestir, está nu, assim se nasce
por quê se uniu o espanto ao prazer sombrio? — e em marcela nenhum prazer sombrio alterando o desenho da boca
escrevemos pra quem?
e ao mesmo tempo estou aqui e não há opressão nem depressão
o garçom nietzscheano não está, eu disse que se transformasse num luisiano, ele riu e aceitou a proposta
fumo rápido
bebo rápido
gozo devagar
o vento, o vento indo à praia, faz bem o vento
não ouço babyloncaban, zen touch me aplica outra dimensão e entra o joy com insight
guess the dreams always end
sim, meu amigo, eu fumo charuto em lanchonetes, e tomo cerveja, e você usa calças amarelas e segura sua mulher pela mão
tears and sadness for you, awe of evil for you, canta ian curtis
we wasted our time
concluir o quê? se tudo é permanência e passagem, só resta transcender a imagem e o que ela impinge
e aí, sofa surfers tocando babylon tymes
espero, os garçons também, um pedido — não espero um pedido, mas espero a ruiva dançar comigo na fumaça
e se você ganhasse na loteria, trabalhar pra quê?
engraxaria os meus sapatos e iria pra lá
e o baby mammoth entra com smoke

e eu vou — através da fumaça

quarta-feira

bbbbbbbbbbbbbbbbbonde andando (conversas aleatórias) i


1. abertura

pronto para a batalha, você diz e vai. praonde?
para onde caminham os cavalos em fim de carreira, e vai tropeçando.

– quê isso? é, realmente a televisão limou seus pensamentos. aonde será que eles andam?
– então tá certo. a gente põe os helicópteros no final junto com os aplausos.
* não, não se preocupe. é só que eu bati com a cabeça na parede.
deitado então no fundo da caverna úmida. o frio cobre o corpo. o urso apagou.
– praquê campo livre se ninguém aproveita o ataque?
* no deserto você vê a fila de camelos ao longe, você pensa em camelotáxis, mas parece que não está fácil.
– bluargh! que papo é esse?
– isso tudo no preciso momento de implosão dos prédios.
– é uma pena.



2. tempo é temperatura do sangue

o que é o prazer?, ela pergunta.
não sei, respondo deitando a cabeça em seu colo.
ela olha a tv e diz, há quanto tempo não fujo…
de novo não sei, mas me calo.
estive pensando em voltar, mas não consigo decidir praonde, só sei que sinto saudades.
um dia vou te buscar, digo.
nunca temos pressa?, pergunta ela.
pressa é pra quem precisa, tempo é temperatura do sangue.
você é um grande filósofo.
não, é que eu leio sempre os pára-choques de caminhão.



[1996]