sábado

round about midnight


dança 1


as notas tocando a noite
à noite, 'round midnight.


ouça o novo ano nas versões:
miles&coltrane
monk&mulligan
monk piano
gotan project

2006

pode vir.

quarta-feira

spiral-spirit


sertão 393

Tarde de fim de ano, altíssimo astral com trent reznor.
ouça a versão do nine inch nails e depois a do johny cash,
you could have it all.


Hurt

I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

What have I become?
My sweetest friend

Everyone I know
Goes away in the end
You could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear my crown of shit
On my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stain of time
The feeling disappears
You are someone else
I am still right here

What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know
Goes away in the end
You could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

sábado

jc & a família



aqui: um sol esmagador.
lá atrás, o cara nascendo da concepção divina.
a relação entre deuses e mulheres sempre deu nisso:
filhos híbridos, inveja da finitude e medo do infinito.
não conseguimos um novo paradigma mítico?

seguimos a lua carregando os presentes.
baltasar e melchior não param de reclamar.
a areia entrando nos olhos.
e se não for ele?
deus surge num clarão e pede seriedade:
meu filho vai longe por vocês.

sábado, o mundo dos homens é um mundo eletrônico.
dois mil anos de mistificação e fé que não nos levaram
muito além do que sempre foi a humanidade, ganhamos a culpa,
muito obrigado, e o seu oposto, a filosofia do martelo, gracias.

engraçado, o bebê não chora, diz baltasar, sempre arguto.
as benesses de um pai imaterial, uma fertilização sem pecado,
a volta ao paraíso, anulação de adão, eva, caim e abel, digo.
nosso ancestral é sete, não te esqueças, cobra melchior.
schhh, vai acordar a criança, diz josé, aquele para quem não há adjetivo.
maria olha a manjedoura e a vaca muge para o céu.

em sua primeira aparição, papai noel chega trazido por camelos alados
(as renas surgem muito depois).
então é isso?, pergunta ele.
nunca entendi sua relação com o nascimento do salvador, diz o porco.
bem, como vocês sabem, deus controla tudo da central na groenlândia.
coisa de vizinhos, ele está sempre me pedindo algum favor, diz noel.
bem, esse vai durar muito...
deus já me disse, tudo bem, devo vários favores a ele também.
e os presentes, pereguntamos?
não, isso é só mais tarde, o mito precisa ser criado ainda,
só vim dar uma olhada e ver se estava tudo bem.
enquanto herodes não chegar, o filho está garantido.
mas será rejeitado pelos seus, e adotado e adorado pelos inimigos.
é a lição divina, escrevendo torto por linhas certas.
é o contrário, corrigem.
ele sempre gostou da minha ironia.
não, só no novo testamento ele vai se abrir um pouco mais.
é a descontração da paternidade...
deus urra um trovão, isso não é tolerável!
o silêncio se fez depois do verbo.
não dá pra rolar um novo paradigma mítico, senhor?
se você quer repetir caim, o deserto é todo teu.

aqui: o deserto é a cidade, o sol que esmaga o desejo de transcender.
daqui a pouco, as reuniões com as famílias para lembrar o dia em que renascemos.
lembrar da pureza, do outro, do pecado, do amor.

jc & os 12 rebeldes.
eu sou eu em todos os tempos, me diz.
mas você nunca perdeu o tom do pai, não é?
sempre autoritário, eu sou a porta e o caminho.
através de mim, ou nada.
perdão, eles não sabem o que fazem nem o que dizem.
o vento não ajuda quem não sabe onde vai, gaspar.
a fé é a bússola, daí mover montanhas, percebe?
entregue a alma e vamos em frente.
eu só queria um novo paradigma...
não existe fora de mim, eu sou o único paradigma.
tá vendo só como é?
foi meu pai quem disse.
nosso pai, não é, irmão?

celebremos então teu nascimento e morte.
o mistério dos anos obscuros, o batismo feito por joão.
a ausência e o suor, os pregos e a cruz, a via crúcis que nunca acabou.
e presentes, vinho, alegria, reencontro, purificação.

que deus nos ajude!

saravá, meu pai!

lá atrás, a vaca olha o céu e muge.
maria sorri, preocupada (mal sabe ela).
josé, e agora?
os magos conversam com a boca cheia de areia e estrelas.
o bebê abre os olhos e vê o futuro chegando.

o futuro chegando aqui, dois mil anos depois,
um mundo eletrônico sem transcendência,
o sol esmagando e a vaca mugindo pro céu em algum lugar.
os presentes serão entregues e as estrelas não vão cair.


terça-feira

174}mastiga{entranha

Um diabo entrou no ônibus hoje à tarde. Sombra preta por fora e por dentro. Ele atravessou a roleta enquanto passava o revólver da cintura para a mochila. Por isso a polícia veio no encalço mais rápido que o inabitual. Anunciado o assalto, houve uma confusão, pessoas correram, saíram do ônibus. A polícia cercou tudo. O diabo controlou o ambiente com o caos. Apresentou o terror a todos e se disse teleguiado pelas trevas. Ordenou que uma moça, que seria assassinada pela polícia mais tarde, escrevesse com batom frases terríveis e alucinadas no vidro do ônibus. Ela teve o cuidado de imaginar o espelho, rabiscando invertido para que todos pudessem ler perfeitamente do lado de fora. Nessa altura, a transmissão da tv já corria a pleno vapor, com cortes e comentários de desespero despejando angústia na audiência crescente. O diabo deu uma demonstração interminável do que é o inferno. Do que era o inferno particular que mastigava suas entranhas. Ele precisava mastigar o intestino alheio. Então continuou com seu exercício de horror. Dispensou alguns passageiros. Manteve as moças e as senhoras. Enfiou o cano da arma na boca de uma das passageiras. Fingiu matar uma outra e mandou que ela se deitasse simulando o próprio fim. Correu de um lado para o outro com o revólver em punho. Prestigiados policiais de elite estavam postados para devolver o diabo à residência dos caídos, aos quintos. Continuaram a postos. O diabo era um diabo menor, seu inferno era pequeno mas abismal. Enquanto esteve naquele ônibus afogou vítimas e público na sua doença de ódio. Nenhum pedido foi aceito. A moça mais amedrontada foi a escolhida para descer do veículo como refém. No asfalto, uma conversa para tentar resgatar a menina. Quando as coisas pareciam se encaminhar, um policial que estava agachado se escondendo por trás do ônibus, com a cabeça cheia de cnn e filmes americanos sobre grandes heróis da lei, se lança na direção do diabo e dispara repetidas vezes. Confusão. A multidão que acompanha a cena in loco quer invadir o cordão de isolamento e linchar o diabo. Os policiais seguram o corpo desfalecido da moça e espancam o diabo. Ela está morta. O diabo é enfiado num camburão com alguma dificuldade. Ele está vivo demais e será executado no caminho até o hospital, porém o inferno não vai sair do camburão, nem do ônibus, nem das câmeras, nem da lembrança de ninguém, nem da menina apavorada que morreu no horror. O aroma e a carne do inferno. Pior que viver no inferno é morrer no inferno.
No dia seguinte, a grande discussão foi em torno da estratégia equivocada utilizada pela polícia: que ação atrapalhada, em vez de chutar contra o adversário, o jogador atirou contra as próprias redes. O medo anestesia. O medo aliena. O medo busca saídas para si, quer fugir de si. Essa é a vitória do inferno.

[13/03/2002]






série "sertão" 34, 35, 36 e 39.

segunda-feira

ur-ano acaba

















suando, fumando, dançando, café,
urano é o signo, me dizem,
sickness&vice, take care.
discipline is never an end in itself,
only a means to an end.
a means to an end...
an end to a mean...
boozoo bajou segue com moanin'.
segunda-feira escorando o corpo cansado,
todo dia como um feriado com trabalho.
mais alguns dias e tudo será como depois.
fluir, driblar, ventar, esperar,

esperar ouranós personificar o céu,
encerrar o ciclo e deixar que outro
se encaixe.
nunca um fim em si mesmo,
apenas um sentido.

sábado

burning cult


sertão 395


Like the heat from a thousand suns that burns on
Rising ever higher
A phoenix from a pyre
My eternal desire
I’m on fire

Like a kiss from the lips of ra that burns on
The pleasures getting wilder
Circling ever higher
A servant of desire
I’m on fire
I’m on fire

[the phoenix, love, the cult]

sexta-feira

reino m/eu.green/hell





















sertão 394


Para Pollock, pintar era mover a tinta sobre a tela, fluir.
Quem antecipa e constrói a tela com minúcia, flui apenas na técnica, não assume a imprevisibilidade de um grito imaginado no escuro, um respingo incorporado como dado do acaso, signo da vida.
No fugaz só há inércia circunstancial.
No fluxo há potência — entrega e desejo.
O imaginado na astúcia é fraco porque é unilateral.
E meu interesse como pintor sem tinta não é esse.
Interpretar demais é uma forma de exumar o corpo e certificar a morte.

sábado

33/45 (notas musicais são sirenes)

acelerando a rotação, tudo é muito rápido para estar errado. fico ouvindo discos 33 em 45 até se instalar o vírus, dor de cabeça. tiro os fones e continuo a ouvir os zumbidos combatendo o meu cérebro. a vitória não é individual, a vitória é simbiose, é o pensamento tiroteio, rastejando por um momento de tranqüilidade e incorporando os disparos. que tudo se confunda é inevitável, a vitória é derrota. saindo na rua, pego o primeiro circular e fico indo e vindo, circulando dentro e fora da cabeça. na verdade, dentro não comporta circulação e sim torcida comemorando gols sucessivos, zunindo. existe uma outra troca que é entre a melodia dodecafônica do trânsito e as aceleradas e agudas notas musicais que me espetam por dentro. à medida que as freadas e os engasgos enfumaçados vão entrando, sons esquisitos saem pelo meu nariz e vou sentindo pontadas na garganta, uma sensação de regurgitamento, o tiroteio aumenta, as cordas vocais se rebelam, sinto um tranco e atribuo o fato ao tráfego, mas quando vejo estou vomitando as 45 rotações nos outros passageiros, cuspindo frases de efeito, desconexas e absurdas, como "o mundo dos parasitas é um mundo de sangue medido!" ou "janis joplin grita muito alto!". nessa hora, entre os assustados que encaravam minha trânsida figura, alguém retrucou "o jimi tocava mais alto!" e isso meio que cortou o surto, mas ainda me vi grasnando "dardos! minha cabeça é um pub irlandês!", então a fumaça começou a envolver a música e fui entrando dentro de uma nuvem, fiquei isolado e perdi o controle.

abri os olhos e me vi cercado de sirenes. elas tinham forma humana porém eu só escutava o alarme disparando, a ambulância apostando corrida com o carro de bombeiros e o camburão vindo na cola ensandecido. uma delas veio na minha direção e percebi que era o médico-sirene. ele sorriu amarelo e quando abriu a boca, ouvi o que provavelmente beethoven ouviu para ficar surdo. meu cérebro entrou em curto-circuito e meus olhos saltaram das órbitas; em pane, meu corpo inteiro tremeu e, em seguida, enregelou. apaguei.

Dei um pulo da cama, desesperado, o coração na penúltima rotação possível, suando frio. Olhei para o meu aparelho de som, o estômago dando coices, e senti que, de alguma maneira, ele me encarava, irônico. Enfurecido, parti pra cima, desconectei os fios e joguei os três módulos do gradiente ds-20 pela janela. O barulho fui gutural, e não seco como eu esperava. Olhei para baixo e o opala de alguém estava destruído. Cinco minutos mais tarde a campainha tocou. Ainda transtornado, atendi e era o vizinho do 705. O opala era dele. Alguém deve ter visto ou ouvido alguma coisa. Não me importei. No começo até que eu ouvi tudo muito bem, apesar d'ele estar mais interessado em cuspir do que em articular frases. Então, a voz dele foi ficando rouca, o ziguezague começou, a nuvem foi me envolvendo e pequenas notas musicais, agudas e aceleradas, foram escorrendo pelo meu nariz e pelas minhas pálpebras, saindo pelos ouvidos. Senti uma pontada na garganta, a visão secando. Pisquei os olhos e me deparei com um legítimo representante dos homens-sirene tocando trombone. Senti um tranco e achei que era ele me atacando; meus punhos se fecharam, parti pra cima e nesse instante tudo ficou branco.

Agora estou aqui na janela observando aquela nova aparelhagem de três módulos: o vizinho-sirene do 705 e o ds-20 abraçados dentro do opala (e esperando as notas se acalmarem, voltarem à rotação normal e desacelerarem minha cabeça).

[1993]

quinta-feira

+rápido

nas ruas cheias de tudo,
gente, bicho, coisa, jornal,
alguém puxa teu braço,
pede grana, roupa, comida,
até você parar a multidão já
te arrastou com um grito no
ouvido: quer vender ouro, quer
comprar bala, quer foder uma
mulher, quando você presta atenção
um ônibus buzina, você fica quase
surdo em estado de choque, leva um
encontrão, quase cai em cima da merda
do cachorro, se desvia e cai num buraco
da calçada, consegue sair, o sinal fechou,
você atravessa a rua e um belo carrão
avança o sinal com o motorista uniformizado e
o patrão respirando o ar condicionado e ele toca
a trombeta do Inferno e você pula para não estragar
o carrão do magnata e seu ar condicionado e sua
buzina de aviso do fim do mundo,
só que o mundo já acabou há muito tempo
e você não sabe mais o que fazer,
sua cabeça está explodindo,
você começa a correr, pisa na merda do cão, pula o buraco no chão, joga para o ar todas as filipetas que te oferecem insistentemente, chuta todos os pedintes que te pedem seja lá o que for, manda o motorista de ônibus à puta-que-o-pariu, empurra os autômatos que não param de ir e vir, dá uma rasteira no policial que sopra o apito, no cego que canta e sacode a caneca de moedas, e você não pára de correr, e começa a gritar para não ficar surdo, o sinal está aberto mas você atravessa assim mesmo, correndo, gritando, mandando todo mundo se foder,
e um carrão vem em sua direção mas você corre de encontro a ele, cospe no vidro, entra no carro pela frente, senta ao lado do motorista e passa para o banco de trás, cuspindo sangue no magnata, no motorista e se sentindo aliviado no frescor do ar condicionado.

[1989]