segunda-feira

rosoé crubinson

quase 7 horas.
pra mim parece que são duas da tarde.
relógio interno transtornado.
sem comer o dia todo,
o almoço foi há pouco.

tentando escrever a quali e batendo cabeça.
o ombro doendo, as pernas mexendo.
não me entendo com as enzimas.
acelerado.
é preciso sair da fase oral:
café, mate, fumo, dentes rangendo,
remédios, álcool, língua enrolando.

me sinto como um robinson crusoé
às avessas: rosoé crubinson semi-afogado
e barbudo na praia agitada do excesso.

horário de verão.
escurecendo, o cão virando lobo.
as roupas no varal não secam.
mais tarde, bem mais tarde, dub club
na fm4, a night in vienna.
novos tempos, dizzie!
nas caixas, o fabric do swayzak.

a escravidão diante da máquina.
o computador é a central das atividades.
que vida é essa, como será depois?
dr. octopus sem controle dos tentáculos biônicos.

a água fervendo, outro café,
mais uma cigarrilha.

aumento o som, compro água de coco, telefono,
escrevo, vejo um filme, outlook, skype, msn, orkut,
soulseek, leio, como, outro banho, faço a barba, faço
contas, naufrago de jangada em alguma ilha próxima?

começa a chover (de novo).
vou ver a chuva (e as roupas não secam).



domingo

sontag wien nacht

domingo, noturna.
ouvindo pela net a fm4, de viena, que transmite
as dub club sessions com sugar b, gümix,
sweet suzie e a rapaziada local.
rolando um som ao vivo, quebradeira,
a mulher cantando, gritando, pedindo:
break my bones!

não sei o que é, e tudo bem.
conversa em alemão, a teoria dos planetas,
dub club só amanhã, quase meia-noite aqui,
quase três da matina lá, e as bpms lemcima.
beats pela noite enquanto dona segunda não vem.

sobrevoando viena no dorso dos cavalos de strauss,
o nacional-socialismo hipercatólico execrado por
thomas bernhard repousando em suas casas aquecidas,
nas ruas o silêncio eloqüente dos contos de schnitzler,
e nas veias eletrônicas cheias de música o som mais
bacana e interessante que é feito hoje.

dub club completando 10 anos em outubro.
line-up das segundas no mês:
dsl; kruder&dorfmeister com farda p.
e ras t-weed.
amanhã: markus kienzl com makossa&megablast.

e, daqui, estaremos lá,
sofa radio surfers.

tamanho grande

1: camisa-de-força

pego minha garota pela mão e saio batido pela porta dos fundos; entro no carro, chave na ignição, pé no acelerador, fita no tape, engato a primeira, a segunda, vamos deixando o estacionamento, terceira, ela não fala nada, então aumento o volume para não ter que ouvir esse silêncio.
aciono o controle automático das janelas e posso ver seu descontentamento enclausurado; ligo o ar condicionado, piso mais fundo no acelerador, o carro respira como um tuberculoso, ela me olha, não diz “esse carro é uma merda”, ela põe o cinto, ela pensa “esse cara é uma merda”, eu sei.
a curva se aproxima e ela sabe que eu não vou diminuir; é só dar um pequeno toque no freio antes de entrar, reduzir para quarta e terceira, usar o freio motor, segurar no braço, ela não entende, eu não caibo nesse molde que ela tem, as coisas ficam apertadas como camisa-de-força, eu sou tamanho grande.
meus braços são fortes e a curva fica para trás; ela não sabe até quando vai agüentar, ela pensa “essa foi a última”, ela está irriquieta, abaixo os vidros, lhe dou ar puro, ela sabe que eu não me importo, posso explodir o carro num poste ou qualquer outro lugar que se apresente, o carro também é pequeno, me comprime, acelero, olho para ela, “cavalo-de-pau” eu penso, puxo o freio de mão, viro o volante, o carro empina e sai capotando.


2: cavalo-de-pau

(dentro: carro vira, carro roda, não há mais importância, está tudo tão longe e isso, o vidro, a morte, a força, o sangue, o instante que não termina, isso circula, exige, quer, está perto, tão perto, puxando, destronando, interligado, é ai que eu vivo, o esmagamento que me tira do molde, me tira do corpo, esse lugar apertado, a vibração, o molde projetado para fora do recipiente, minha carne rasgando o vidro, eu fora do painel, ar, gosto doce, minha cabeça em perfeita ordem, é nessa precisão, no momento absoluto, que eu sou, que eu sou eu, vivo, fora da camisa-de-força, fora da roupa eterna, destravado, o carro capota mas eu entro reto nesse caminho, meus pensamentos só embolam no molde, na fôrma, na indústria, na fábrica, saindo fresquinhos da linha de montagem, devorados como glicose pelo sangue medroso, rodando, tudo, minha cabeça em linha reta, como o poema, minha vista fixa em ponto único, a frente, minhas mãos presas ao volante, fecho os olhos para enxergar o caminho, nada atravessa a mente, a minha, nessa hora, calmo, relaxado, tranqüilo, espaçoso, flutuando, não existem os zunidos, explosões, gritos, flashes, a tormenta do molde, minha carne rasgando o vidro, gosto doce
)fora: o carro roda, vira, meu corpo acompanha desgovernado dentro do recipiente, ela permanece presa à faixa, incólume, a cabeça permanece presa às imagens, estática, é rápido demais, demora a registrar, o pavor é quase só susto, incredulidade, pulmão explodindo, coração na boca, o corpo tremendo, frio, preso ao cinto, acomodado, meu tronco atravessando o recipiente, quebrando o invólucro, saindo, ar, as mãos presas ao volante, voltando, gosto doce, acomodando.



3: freio de mão

o carro capota pela última vez e, como um gato, cai sobre as patas: é melhor odiar alguma coisa que está viva, meus olhos faiscando, “você é grande demais pra tudo isso, não é? grande demais pra toda essa merda, filho da puta!”, eu não enxergo nada, não enxergo o sangue, não enxergo o pára-brisa quebrado, eu só vejo o tamanho, começo a socar esse monte de carne, um quebra-cabeças com peças faltando, meu coração quer sair da boca, arranco o cinto para socar melhor, até cansar, o sangue não esfria, o vermelho não sai de dentro dos meus olhos, tento sair, a porta não abre, eu insisto, começo a esmurrar a janela, tenho que sair, minha cabeça quase explodindo, forço mais a maçaneta, a porta abre finalmente, eu saio, minhas pernas tremem, consigo ficar em pé, vou andando, vou embora, vou deixando para trás, apagando a tatuagem, o carro vai desaparecendo, olho para trás pela última vez, ele está sentado, as mãos no volante, esvaziando.


[1996]

sexta-feira

fragmentos do mundo atômico i.

momentos antes do crime, ele ainda permanecia andando pelo gelo. o frio estava todo dentro. falar o que se quer custa. ele andava para apagar, esse era o preço.





quando avistou isobel debaixo da árvore pensando em corações atravessados por flechas, sentiu uma onda quente se irradiar pela espinha, se espalhando por músculos e mais.

tudo bem, eu disse, nossa vida não é tão interessante
interessante? você é sempre modesto demais
sendo então absolutamente entediante, você não acha que pelo menos somos quase felizes, ainda que de maneira dormente?
se essa é a nossa referência, o destino permanece imbatível
a posição do destino é sempre bastante confortável, se temos uma vida de merda é o destino, se não a temos é o destino, se conseguimos mudá-la mais uma vez o destino triunfa. a verdade é que eu e você fazemos diferença apenas para nós mesmos


havia uma linda sombra melancólica sobre o rosto dela, ou talvez fossem meus olhos. o repouso da música sobre seus ombros era um tipo de morte.

ele vem.





as faíscas começaram a riscar sua mente contra um fundo branco de neve. eram visíveis os lobos se movendo silenciosos. o branco azulado no horizonte como um grande clichê dourado.


[2001]




quarta-feira

velho testamento p&b

sábado

winston ou romeo y julieta, uma análise

então é isso aí: vão todos para a puta que os pariu, falei me dirigindo ao interlocutor do outro lado do aparelho mas endereçando o desabafo à corja inteira - pááá!!, telefone batido, tentei não ficar remoendo o assunto e, inspirado pela desligada agressiva que acabara de processar, também batido saí.
no meio da calçada descobri que suava demais e, como um babuíno febril, afetava gestos simiescos, então entrei na primeira loja que apareceu e, graças aos céus!, era uma tabacaria de razoável qualidade, o que se encaixava perfeitamente com a razoável condição financeira do meu bolso e o resultado deste razoável, porém generoso, encontro foi um epicure nº2 na boca e dois tubos de romeo y julieta churchill no bolso do paletó.
produzindo fumaça como uma cheminé de grande uso, entornei uma garrafa de james martin’s fine & rare, tão raro que eu nunca tinha visto, no bar anexo à tabacaria e, me sentindo um lorde inglês tão fina era a bebida e também a minha situação, fiquei completamente bêbado.
mulher era o que eu precisava no momento, mas esse não é um pensamento de lorde inglês, parte majoritária da minha psiquê momentânea, e o que eu, lorde fauntlenroy, pensei, sentindo toda a poesia picante e foggy que caracteriza a natureza insular, foi: o que eu preciso agora é de uma bela cona pentelhuda e grandes melões que me embalem, esquecendo que, na verdade, não alcóolica é claro, o melhor a fazer seria dormir.
exalando um perfume acridocemente excessivo como rodízio de comida chinesa, adentrei o salão de mme. murtinho e fui logo bradando: ¿que pàsa?, à guisa de apresentação, sendo prontamente respondido: o senhor talvez queira lavar as fuças, o que, no momento, me pareceu uma boa idéia, apesar de não ser meu real objetivo no estabelecimento de mme., e assim rumei para o lavabo, onde, refletido no espelho, tive uma desagradável surpresa: eu não era quem pensava ser, e, sendo assim, como poderia lavar um rosto que não era o meu?
é estranho, porque não me lembro como cheguei à residência de mme. murtinho, provavelmente de táxi, da mesma forma como não sei quanto tempo fiquei no banheiro conversando com aquela simpática figura que me encarava e me respondia no espelho, e foi essa mesma figura que, muito gentilmente, me aconselhou a fechar a braguilha, pôr os bolsos da calça para dentro, guardando os trocados que dali caíam, certamente desde que havia pago a conta de cento e poucos alguma coisa lá na fábrica de fumaça, e por último determinou: agora acende um cubano homenageador de winston e defuma o ambiente, entrando com o porte e a fleugma de um sir qualquer coisa.
terminado o charuto e já completamente enfeitiçado por morfeu, fui finalmente levado à alcova, que na minha situação estava mais para cova pura e simples do que qualquer outra coisa, e como estava sem grandes disposições para o meu tradicional exibicionismo, me enfiei embaixo do lençol e deixei para minha patrocinada a responsabilidade de ressuscitar o motivo da minha ida àquele estabelecimento comercial.
satisfação garantida ou alguma coisa de volta, crédito, vale, ficha telefônica, bola de gude, sei lá, não é assim que mme. murtinho trabalha, não foi assim que ela chegou aonde está, me disse minha companheira de quarto, especialista em dança do ventre, fellatio sem cuspe e acrobacia anal, artes das quais só pude desfrutar o lado circense devido ao fato de que dentro do meu estado inanimado uma dança do ventre era apenas uma dança do ventre e o fellatio degustativo, inóquo; para levantar minha carne morfética naquela hora presdigitadora talvez só mesmo a injeção de adrenalina que penetrou o coração da uma thurman depois que ela cheirou o pó errado, então partimos para a última etapa: os acrobáticos dotes anais daquela artista sodomita empenhada em fazer valer o preço do ingresso.
mais interessado em dormir mas sensível, como amante das artes que sou, aos esforços daquele cu que não me saía da cara (o que, é preciso confessar, me deixava um pouco tenso — havia sempre a possibilidade gasosa do flato), me empolguei e atochei-lhe no reto o último habano, insular e portentoso como o personagem que homenageia, coisa que não surpreendeu a cuzuda, pelo contrário, sentindo-se completamente à vontade, no seu ambiente, ela me pediu fogo e acendeu o robusto rombudo, tragando em seguida e soltando a fumaça pelo orifício da frente, coisa que me deixou extasiado e assim, em estado de graça, pude dormir tranqüilo.

***
em casa, onde acabei só chegando na noite seguinte, a secretária eletrônica estava prenhe de recados, todos unânimes em afirmar o bom filho da puta que eu era e me mandando para lugares tão distintos como merda, porra, casa do caralho e outros menos votados; sentindo uma leve irritação, nada que um lorde inglês não compartilhasse, arranquei o telefone e a secretária das suas respectivas ligações à parede e os arremessei pela janela em meio a impropérios: que los pareo!; sentei no sofá e, numa tentativa de me acalmar e retornar à minha já tradicional fleugma britânica, acendi o quase intacto charuto anal.
puta merda, que charuto!
[1995]