sexta-feira

a tarde infinita

dada conexion
what is it that eats you up?






as flores cresceram e o jardim está novamente vistoso. à tarde me sento no banco para fumar e olhar o céu. as novas caixas de som ficaram perfeitas. os graves chegam a ventilar as folhas da árvore. chet. coltrane. miles. eles acariciam a copa cheia e sopram vida nas flores. mas o balanço grave e profundo acontece mesmo é com o novo som eletrônico. e pensar que o bernhard cuspiu na terra natal até morrer. com razão, provavelmente. mas acho que não chegou a ouvir, não se interessaria, evidente, esse pessoal classudo, elegante e criativo que pilota os estúdios e as mesas de som em viena. ouviram muita música brasileira, muito suíngue latino. gosto também de colocar as coisas mais pesadas, o baixo dominando o equalizador, db. tosca, dub club, kruder, dorfmeister. ou outros caras, tipo o thievery corp., ou bukem e o pessoal do intense, ou metalheadz e reprazent.
e eu nunca tive nenhum grande interesse pela áustria. pelo contrário. e agora estou envolvido com o bernhard e essa galera do som relax. a verdade é que o rock and roll encheu o saco. como se o nirvana tivesse esgotado a coisa por um tempo. é preciso renovar, regurgitar outras misturas. talvin singh, cheb i sabbah, o otto, bebel gilberto. onde estaria o nação zumbi se chico ciência estivesse vivo?
até na germânia os caras estão desendurecendo os quadris. jazzanova, fauna flash, trüby trio, boozoo bajou.
o mais impressionante no bernhard é o fluxo. não é escrita automática, é um passo além. não é um movimento gerado pela escrita, a escrita é que serve ao jorro discursivo do pensamento. e ele consegue segurar o raciocínio sem prendê-lo, e sem perdê-lo. para um portador de mente esquizóide como eu, bernhard é um milagre. renega e ressente o mundo idiota e unidimensional. o seu discurso é a sua doença e sua cura, um atestado de vida inteligente numa civilização dominada pelo obscuro, pela membrana invisível que esconde o que realmente nos governa. interesses grandes demais, dizem. poder, sussurram. um sistema criado à imagem e semelhança da idéia do deus cristão, onipresente, onisciente, poder invisível que a tudo governa. seus desígnios serão aceitos de forma inquestionável.
então, vejo a vida nas flores, o som grave das caixas balançando as folhas, fumando para sentir melhor o gosto do tempo, o gosto desse poder, o gosto do deus imaterial.
o jardim está realmente uma beleza.
em san francisco eles fizeram uma igreja para john coltrane. ortodoxa africana. ouvem e recitam o pouco que escreveu. a love supreme. eu fui até lá, e era uma igreja. como outra, em frente a uma praça, em um bairro negro. como convém. não vi o culto. ainda bem. a minha idéia de culto é outra, imagino. eu fui lá.
não vi o culto, como convém.
de vez em quando me é permitido ver a sombra dos meus desejos passeando, flutuando, esvoaçando entre as flores. hoje os pequenos pássaros cantaram menos. meditaram sobre a tarde infinita. essa necessidade de cantar me é estranha. esse é o meu jardim. influencio os pássaros. meditem. observem. prossigam. meu sonho era pairar sobre. sonhos de espírito. a tarde para sempre.
a


[março.2002]