sábado

atonal

Entrei no ônibus pensando no que você havia me dito e ao mesmo tempo o efeito que isso tinha era o de estar pensando na morte da bezerra então o fato é que entrei no ônibus aéreo pensando no que você havia me dito sobre eu ser opaco e nós juntos não formarmos uma nova e brilhante cor pelo contrário a minha opacidade suavizava e até sufocava a vitalidade do seu matiz oprimindo a violência da beleza das suas cores e chega! ela estava cansada precisava de ar água fogo e mesmo terra para viver! e não viver assim sem exclamação é as coisas acontecem sem pedir e plác! num estalar de dedos o meu regador a minha água o meu pincel a minha semente tudo tinha envelhecido apodrecido estragado tudo fora do prazo de validade eu estava descartado eu gerava frutos insípidos insossos sem caldo sem suco sem cor inodoro insalubre incolor seco qualquer gesto ato pensamento infrutífero e com o rabo entre as pernas e de crista baixa me encaminhei à porta desci as escadas bati o portão e a rua me recebeu como a um primo distante com seu som ambiente atonal orquestra dodecafônica bafo música estomacal seu hálito vulcânico passei a roleta pensando em como tudo o que se passa dentro ou fora o que se passava no pensamento tudo é acaso pensava as coisas se modificam imperceptivelmente como os vermes se alastrando por dentro e formando o destino uma idéia atravessada na garganta uma idéia atravessada no tempo e comecei a observar a passagem do tempo pelo ambiente sentindo um calor amistoso e distante um vidro térmico sendo a vitrine do que era percebido as janelas abertas e algum vento completariam a cena se as pessoas não estivessem preocupadas com a destruição do penteado e você me disse eu não era preocupado não estava preocupado com a sucessão do tempo e o que disso é desprendido e sendo assim um abraço percebe a independência é algo necessário olha pra mim e entende eu tenho tudo que eu preciso e me descarto do que não é necessário nesse momento comecei a ouvir abafado palavras ocas alguém precisa saltar e o ponto passou no instante atrás eu me lembro saí o bafo da cidade me recepcionou de maneira impessoal entrei no ônibus passei a roleta e sentei pensando no que ela havia me dito e você precisa saltar teu ponto passou nesse instante eu olho pela janela isso não me interesssa de forma alguma a noite vai escurecendo a vista permaneço com a audição abafada o leblon se aproxima a praia no fim do canal levanto puxo toco a sineta ou que nome tenha aquela porra de fio fio a embarcação pára e eu salto pensando no que você disse eu sigo ouvindo uma voz abafada em direção à praia sentindo o cheiro me aproximando da brisa marítima pensando em algo tão pensando que algo tão grande não pode morrer.


[1996]

3 Comments:

Blogger ipaco said...

maravilha!

14 fevereiro, 2006 09:34  
Anonymous Anônimo said...

valeu paulinho.
ainda conseguimos consumar o chope lendário.

18 fevereiro, 2006 23:44  
Blogger Luciana Gaspar said...

de um só fôlego, bom demais! Pensei no nosso amigo R. Nassar...

26 abril, 2006 11:41  

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