sábado

jc & a família



aqui: um sol esmagador.
lá atrás, o cara nascendo da concepção divina.
a relação entre deuses e mulheres sempre deu nisso:
filhos híbridos, inveja da finitude e medo do infinito.
não conseguimos um novo paradigma mítico?

seguimos a lua carregando os presentes.
baltasar e melchior não param de reclamar.
a areia entrando nos olhos.
e se não for ele?
deus surge num clarão e pede seriedade:
meu filho vai longe por vocês.

sábado, o mundo dos homens é um mundo eletrônico.
dois mil anos de mistificação e fé que não nos levaram
muito além do que sempre foi a humanidade, ganhamos a culpa,
muito obrigado, e o seu oposto, a filosofia do martelo, gracias.

engraçado, o bebê não chora, diz baltasar, sempre arguto.
as benesses de um pai imaterial, uma fertilização sem pecado,
a volta ao paraíso, anulação de adão, eva, caim e abel, digo.
nosso ancestral é sete, não te esqueças, cobra melchior.
schhh, vai acordar a criança, diz josé, aquele para quem não há adjetivo.
maria olha a manjedoura e a vaca muge para o céu.

em sua primeira aparição, papai noel chega trazido por camelos alados
(as renas surgem muito depois).
então é isso?, pergunta ele.
nunca entendi sua relação com o nascimento do salvador, diz o porco.
bem, como vocês sabem, deus controla tudo da central na groenlândia.
coisa de vizinhos, ele está sempre me pedindo algum favor, diz noel.
bem, esse vai durar muito...
deus já me disse, tudo bem, devo vários favores a ele também.
e os presentes, pereguntamos?
não, isso é só mais tarde, o mito precisa ser criado ainda,
só vim dar uma olhada e ver se estava tudo bem.
enquanto herodes não chegar, o filho está garantido.
mas será rejeitado pelos seus, e adotado e adorado pelos inimigos.
é a lição divina, escrevendo torto por linhas certas.
é o contrário, corrigem.
ele sempre gostou da minha ironia.
não, só no novo testamento ele vai se abrir um pouco mais.
é a descontração da paternidade...
deus urra um trovão, isso não é tolerável!
o silêncio se fez depois do verbo.
não dá pra rolar um novo paradigma mítico, senhor?
se você quer repetir caim, o deserto é todo teu.

aqui: o deserto é a cidade, o sol que esmaga o desejo de transcender.
daqui a pouco, as reuniões com as famílias para lembrar o dia em que renascemos.
lembrar da pureza, do outro, do pecado, do amor.

jc & os 12 rebeldes.
eu sou eu em todos os tempos, me diz.
mas você nunca perdeu o tom do pai, não é?
sempre autoritário, eu sou a porta e o caminho.
através de mim, ou nada.
perdão, eles não sabem o que fazem nem o que dizem.
o vento não ajuda quem não sabe onde vai, gaspar.
a fé é a bússola, daí mover montanhas, percebe?
entregue a alma e vamos em frente.
eu só queria um novo paradigma...
não existe fora de mim, eu sou o único paradigma.
tá vendo só como é?
foi meu pai quem disse.
nosso pai, não é, irmão?

celebremos então teu nascimento e morte.
o mistério dos anos obscuros, o batismo feito por joão.
a ausência e o suor, os pregos e a cruz, a via crúcis que nunca acabou.
e presentes, vinho, alegria, reencontro, purificação.

que deus nos ajude!

saravá, meu pai!

lá atrás, a vaca olha o céu e muge.
maria sorri, preocupada (mal sabe ela).
josé, e agora?
os magos conversam com a boca cheia de areia e estrelas.
o bebê abre os olhos e vê o futuro chegando.

o futuro chegando aqui, dois mil anos depois,
um mundo eletrônico sem transcendência,
o sol esmagando e a vaca mugindo pro céu em algum lugar.
os presentes serão entregues e as estrelas não vão cair.


1 Comments:

Blogger lugatt said...

In the deserts of the heart
Let the healing fountain start
In the prison of his days
Teach the free man how to praise

26 dezembro, 2005 15:45  

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