sábado

winston ou romeo y julieta, uma análise

então é isso aí: vão todos para a puta que os pariu, falei me dirigindo ao interlocutor do outro lado do aparelho mas endereçando o desabafo à corja inteira - pááá!!, telefone batido, tentei não ficar remoendo o assunto e, inspirado pela desligada agressiva que acabara de processar, também batido saí.
no meio da calçada descobri que suava demais e, como um babuíno febril, afetava gestos simiescos, então entrei na primeira loja que apareceu e, graças aos céus!, era uma tabacaria de razoável qualidade, o que se encaixava perfeitamente com a razoável condição financeira do meu bolso e o resultado deste razoável, porém generoso, encontro foi um epicure nº2 na boca e dois tubos de romeo y julieta churchill no bolso do paletó.
produzindo fumaça como uma cheminé de grande uso, entornei uma garrafa de james martin’s fine & rare, tão raro que eu nunca tinha visto, no bar anexo à tabacaria e, me sentindo um lorde inglês tão fina era a bebida e também a minha situação, fiquei completamente bêbado.
mulher era o que eu precisava no momento, mas esse não é um pensamento de lorde inglês, parte majoritária da minha psiquê momentânea, e o que eu, lorde fauntlenroy, pensei, sentindo toda a poesia picante e foggy que caracteriza a natureza insular, foi: o que eu preciso agora é de uma bela cona pentelhuda e grandes melões que me embalem, esquecendo que, na verdade, não alcóolica é claro, o melhor a fazer seria dormir.
exalando um perfume acridocemente excessivo como rodízio de comida chinesa, adentrei o salão de mme. murtinho e fui logo bradando: ¿que pàsa?, à guisa de apresentação, sendo prontamente respondido: o senhor talvez queira lavar as fuças, o que, no momento, me pareceu uma boa idéia, apesar de não ser meu real objetivo no estabelecimento de mme., e assim rumei para o lavabo, onde, refletido no espelho, tive uma desagradável surpresa: eu não era quem pensava ser, e, sendo assim, como poderia lavar um rosto que não era o meu?
é estranho, porque não me lembro como cheguei à residência de mme. murtinho, provavelmente de táxi, da mesma forma como não sei quanto tempo fiquei no banheiro conversando com aquela simpática figura que me encarava e me respondia no espelho, e foi essa mesma figura que, muito gentilmente, me aconselhou a fechar a braguilha, pôr os bolsos da calça para dentro, guardando os trocados que dali caíam, certamente desde que havia pago a conta de cento e poucos alguma coisa lá na fábrica de fumaça, e por último determinou: agora acende um cubano homenageador de winston e defuma o ambiente, entrando com o porte e a fleugma de um sir qualquer coisa.
terminado o charuto e já completamente enfeitiçado por morfeu, fui finalmente levado à alcova, que na minha situação estava mais para cova pura e simples do que qualquer outra coisa, e como estava sem grandes disposições para o meu tradicional exibicionismo, me enfiei embaixo do lençol e deixei para minha patrocinada a responsabilidade de ressuscitar o motivo da minha ida àquele estabelecimento comercial.
satisfação garantida ou alguma coisa de volta, crédito, vale, ficha telefônica, bola de gude, sei lá, não é assim que mme. murtinho trabalha, não foi assim que ela chegou aonde está, me disse minha companheira de quarto, especialista em dança do ventre, fellatio sem cuspe e acrobacia anal, artes das quais só pude desfrutar o lado circense devido ao fato de que dentro do meu estado inanimado uma dança do ventre era apenas uma dança do ventre e o fellatio degustativo, inóquo; para levantar minha carne morfética naquela hora presdigitadora talvez só mesmo a injeção de adrenalina que penetrou o coração da uma thurman depois que ela cheirou o pó errado, então partimos para a última etapa: os acrobáticos dotes anais daquela artista sodomita empenhada em fazer valer o preço do ingresso.
mais interessado em dormir mas sensível, como amante das artes que sou, aos esforços daquele cu que não me saía da cara (o que, é preciso confessar, me deixava um pouco tenso — havia sempre a possibilidade gasosa do flato), me empolguei e atochei-lhe no reto o último habano, insular e portentoso como o personagem que homenageia, coisa que não surpreendeu a cuzuda, pelo contrário, sentindo-se completamente à vontade, no seu ambiente, ela me pediu fogo e acendeu o robusto rombudo, tragando em seguida e soltando a fumaça pelo orifício da frente, coisa que me deixou extasiado e assim, em estado de graça, pude dormir tranqüilo.

***
em casa, onde acabei só chegando na noite seguinte, a secretária eletrônica estava prenhe de recados, todos unânimes em afirmar o bom filho da puta que eu era e me mandando para lugares tão distintos como merda, porra, casa do caralho e outros menos votados; sentindo uma leve irritação, nada que um lorde inglês não compartilhasse, arranquei o telefone e a secretária das suas respectivas ligações à parede e os arremessei pela janela em meio a impropérios: que los pareo!; sentei no sofá e, numa tentativa de me acalmar e retornar à minha já tradicional fleugma britânica, acendi o quase intacto charuto anal.
puta merda, que charuto!
[1995]