sábado

spike bernhard [da caderneta]




13.03

[Com Thomas Bernhard e seu avô martelando minha cabeça, com Spike Lee em Do the Right Thing e 25th Hour — os vitupérios étnicos do primeiro e o discurso de Edward Norton no espelho no segundo — e jantando cercado por turistas, escrevo:]

Jantando no Kilograma de Copa, ao lado de casa. Do meu lado esquerdo, dois casais de americanos falam de suas igrejas back home em companhia de uma terceira mulher. À minha frente, dois alemães com duas sabe-se lá o quê falando alemão também. Me incomodam demais os estrangeiros de Copacabana, seu sotaque imbecil, seus modos estúpidos, seu olhar idiota, seu comportamento “à vontade”, seu turismo sexual porco, infantil, deprimente e imundo, suas mulheres ignóbeis tapando o nariz ao passar pela molecada remelenta, suas hordas de bichas musculosas, tatuadas, branquelas, magrelas, com roupinha hype, camisetinha sem manga, tênis adidas e bermuda justa, me irrita seu tom de voz agudo e sempre alto, suas gargalhadas inadequadas e fora do tempo, os negros imensos e escrotos circulando aos pares, com suas roupas juvenis de basquete do Harlem, rindo grotescamente de mãos dadas às putas locais, sempre as mais feias e mal-vestidas, os italianos podres com seu cabelo de gumex podre e suas roupas podres de estilistas de merda, os alemães e nórdicos brancos namorando prostitutas pela Nossa Senhora de Copacabana vermelhos de praia, com cara de otários, sorrindo um sorriso de otário, com prostitutas horrorosas de roupas idem, todos açougueiros de terceira categoria nos seus lugares nazistas de origem, os japoneses e seu comportamento interplanetário de marciano abduzido, com suas expressões de espanto e ignorância como se estivessem prevendo que a bolha da nave está prestes a estourar e o Monte Fuji vai cair em suas cabeças, os hermanos latinos, os espanhóis, e sua grosseria inata oriunda do sangue de Cortez e de todos os jesuítas assassinos que pisaram sobre o crânio da terra tropical, com seus cabelos gosmentos, compridos, sua vaidade inepta e contraproducente, sua comicidade involuntária, os portugueses e os milênios de banha e gordura e pêlos acumulados no corpo, na cara e no cérebro obtuso e ganancioso de quem está sempre descobrindo a inferioridade alheia para encobrir a própria boçalidade, e os judeus escondidos em seus bunkers móveis, suas sinagogas preconceituosas e militarizadas, paranóicos, imaginando sempre os 40 anos e a chegada do Filho, da Salvação, que enquanto não vem se descobre no dinheiro, no poder, na eterna vitimização, na chantagem, na opressão bastidora, com Israel evidente e matadora, e os turistas nacionais, de outros estados, andando aos montes, com sotaques risíveis e comportamento corrupto, com suas crianças imbecis e mal-educadas, brigando para não dar a gorjeta, fazendo guerra de areia na praia, sujando o chão do restaurante, falando alto no cinema, e nós estrangeiros cotidianos do inferno caótico de Babyloncabana, que não nos tornamos homens-bomba de fato, mas de direito sempre, convivendo com ruas atômicas, barulhos vulcânicos, esbarrões tormentosos, motoristas insanos, que podem ser nós mesmos, ônibus, táxis e vans infernais, um ar vermelho que treme no reflexo o asfalto, um bafo quente que não vai embora, as mil putas do purgatório da Help, os prostitutos e prostitutas que se vendem sem cobrar abertamente por falta de profissionalismo e excesso de desespero, vaidade e pretensa esperteza, os garçons subservientes que acham o turista vermelho um semi-deus, os guardadores de carro, corja infame que apodrece a vida, os moradores do purgatório, que acumulam os átomos da bomba humana mas são estúpidos, idiotas e boçais demais para fazer alguma coisa que não continuar vivendo e esbarrando no espelho.