segunda-feira

pra que serve ser destro

Tenho pensado muito
em revólveres. Armas. Fico
supondo o peso de uma
45 automática, pente cheio,
na mão. O destino é
quase sempre a têmpora
direita. Pra que serve
ser destro?
Ele morreu assim. Meu
amigo André. Destro. Magro,
velho e com o sangue entorpe
cido de bola, isso foi antes,
outra suposição. Enxotou a
mãe e o marido, um disco
de Vivaldi na vitrola
e um 38 na mão. O tiro
entrou na música, dez anos
depois estou pensando, o
disco acabou e continuou rodan
do, pulando, o corpo caiu,
a vida acabou, o revólver
oblíquo separou-se da
mão e dos dedos inúteis.
“Estou com 48 anos”, ele me
disse, barbudo, antes.
Tinha 23.


[1999]